Jovani
Antonio Secchi*
Dra. Regina Perez Christofolli Abeche**
Esse texto é fruto de uma especialização em Teoria
Histórico-Cultural pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. Analisa o
documentário “Criança, a alma do negócio”, a partir de um valor disseminado
pela cultura contemporânea: o consumo. Tem como referencial teórico Leontiev,
autor este que se fundamenta na teoria do marxismo. Para tanto, apresenta os
principais conceitos da teoria de Leontiev acerca do desenvolvimento do
psiquismo. Em seqüência aborda sobre a
cultura contemporânea e um de seus principais valores: o consumo, a partir da
perspectiva dos autores Z. Bauman e D. R. Dufour. E, por fim, descreve de forma sucinta, o
documentário “Criança, a Alma do Negócio”, seguido de uma análise.
Para Leontiev (2004), há diferenças
significativas entre os conceitos de atividade, ação e operação. Na atividade o motivo coincide com o objetivo da realização daquela ação, e
mais, ela é responsável pelas principais mudanças nos processos psíquicos da
criança; já na ação o motivo
não coincide com o objetivo, consiste em um fim imediato, a ação surge e se
realiza. E, a operação,
consiste no modo de execução de uma ação. No entanto, há uma
relação entre eles, ao se estimular há uma transformação/mudança de um para o
outro, ou seja, ao se transferir
o motivo da atividade para a ação, e da ação
para uma nova forma de operação, cria-se uma nova atividade, que irá
possibilitar o desenvolvimento psíquico e, consequentemente, a mudança de
estágio da criança.
Já, em relação à cultura contemporânea, para Dufour
(2001, p.2), o que a caracteriza é a falta de um “enunciador coletivo”, de um
“em nome de”, que sirva de parâmetro/referência. Com isso, tem-se um sujeito
obrigado a se constituir por si próprio, sem referenciais para legitimar e
orientar suas escolhas. Nesse contexto, o consumismo tem sido disseminado como
um dos principais valores. De acordo com Bauman (2001), o objetivo do Mercado
vigente consiste em transformar o indivíduo em um eterno consumidor,
alienando-o de sua capacidade de refletir sobre o objetivo e objeto de seu
consumo. Além disso, a mercadoria tem de ser renovada constantemente, a fim de
torná-la em um inesgotável atrativo ao consumidor. Por fim, o autor expõe que o
consumo não está voltado para a satisfação das necessidades físicas, mas sim
para uma apropriação da imagem representada no produto, fazendo com que o
consumo seja alimentado por ilusões de um desejo já capturado pelo mercado.
Em decorrência desse cenário, de acordo com Abeche (2010)
uma subjetividade possível de ser construída é aquela que já se encontra
capturada em sua interioridade, ou seja, o que pertence à narrativa pessoal
encontra-se desvalorizado. Isso ocorre
em decorrência de todos os discursos de legitimação, que são transmitidos pelas
gerações anteriores e que passariam por um crivo para discernir e decidir sobre
mudanças, terem sido capturados pelos ditames da sociedade do consumo e do
espetáculo.
O
documentário “Criança, a alma do negócio”, produzido por Maria Farinha, Marcos
Nisti, Estela Renner, aborda a acerca da transformação das crianças em
consumidoras. Mostra claramente o quanto que a mídia, de forma insistente, age
sobre a mente das crianças a fim de implantar o desejo do consumo. Além disso,
fica claro, nas falas do vídeo, a manipulação realizada nas crianças, para
transformá-las em consumidoras, ao mesmo tempo em que consiste também em uma
forma estratégica com o escopo de obrigar os pais a comprarem/consumirem os
produtos das propagandas.
O que se constata no documentário, é que a brincadeira
acaba por ser suplantada pelo consumir, portanto, não se teria mais o brincar
que proporcionaria a dialética entre operação, ação e atividade. Logo, o
consumo teria como seu fim maior a própria condição de apropriar-se da imagem
representada no produto. Destarte, o consumo pode ser entendido como uma ação,
pois, na ação, o motivo não coincide com o objetivo da realização daquele ato;
assim a finalidade de se consumir equivale a
apropriar-se da imagem que está representada no produto, ou seja, um
objetivo imediato.
O que move a ação de consumir é a
ideologia de que, ao tomar posse de um determinado objeto (qualquer objeto), o
indivíduo estaria se apropriando de algo que lhe daria a condição de
completude, tendo a ilusão de que, ao adquirir um produto, se satisfaria de forma
plena em seus desejos. No entanto, como a sensação de completude não ocorre,
após apropriar-se do objeto da propaganda, o consumidor percebe que o produto
adquirido não foi suficiente para aplacar seus anseios. Assim, o indivíduo
volta a consumir na esperança de que, na próxima aquisição, terá a tão almejada
sensação de completude. Cria-se, assim, a partir dessa ideologia, um indivíduo
desejoso para comprar; desse modo, estabelece-se o consumismo como uma ação,
pois o motivo que lhe move para o consumo não vai estar no objeto consumido,
com isso, o consumidor jamais conseguirá alcançá-lo.
O valor que predomina, no universo da
criança, nessa contemporânea sociedade do consumo consiste em que a apropriação
do produto torna-se a forma prevalente
de a criança poder se diferenciar dos outros e construir sua subjetividade/singularidade. Para isso,
não se permite que se pense, reflita sobre a atual situação e, para manter essa condição, tudo é dado de forma pronta e acabada, como se esta realidade não fosse construída. Sendo assim, tais condições não promovem um desenvolvimento a contento do psiquismo e, tão pouco, ocorreria uma adequada mudança nos estágios do desenvolvimento da criança, o que possibilitaria a sua construção subjetiva.
não se permite que se pense, reflita sobre a atual situação e, para manter essa condição, tudo é dado de forma pronta e acabada, como se esta realidade não fosse construída. Sendo assim, tais condições não promovem um desenvolvimento a contento do psiquismo e, tão pouco, ocorreria uma adequada mudança nos estágios do desenvolvimento da criança, o que possibilitaria a sua construção subjetiva.
Daí a importância do indivíduo conhecer o
seu passado, o seu significado, para saber a sua contribuição na construção da sua
singularidade, do seu desejo, para se
desalienar do desejo do outro, do outro hoje representado não mais pelos
familiares, pela tradição, mas deste outro representado pelo deus mercado, também guardião do cárcere no qual os
desejos capturados estão aprisionados. O
passado, o presente não questionado, não
recordado e não elaborado se torna fonte sofrimento e de comportamentos muitas
vezes indesejados. Na atualidade percebe-se que este passado negado, não levado
em consideração, digno somente do esquecimento torna o ser humano aberto para
repetir e reproduzir uma série de comportamentos não desejáveis, fontes de
sofrimento.
Para saber mais:
ABECHE, Regina Perez Christofolli. A que resistir? E o que criar? Reflexões sobre a (des) construção das subjetividades na contemporaneidade. In: BONAMIGO, I. S.; TONDIN, C. F.; BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.BAUMAN , Z. O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998._________________. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001._________________. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.LEONTIEV, Aléxis. O Desenvolvimento do Psiquismo. 2a. ed. São Paulo: Centauro, 2004.
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