"O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam"

Guimarães Rosa

15 de fev. de 2012

UMA REFLEXÃO SOBRE A VERDADEIRA BELEZA

Fernanda Rossi*
Refletir sobre a beleza é um campo bastante amplo, pois há beleza em tudo: na natureza, nos animais, nos homens, na arquitetura, na ciência, na literatura e assim por diante. Esta reflexão se centrará na beleza humana. O que também não é tarefa fácil, tendo em vista, que se precisa levar em conta que a beleza depende de aspectos sociais, históricos, culturais e individuais. E está relacionado tanto a questões físicas quanto psicológicas. Mas então o que faz uma pessoa ser bela? Pode ir alem do físico, ou acaba nele?
No aspecto social a beleza está ligada a um padrão aceitável a uma época, houve o belo como do obeso tão bem retratado nas pinturas de Botticelli, ou do corpo musculoso como das esculturas de Da Vinci, até chegar na magreza da moda tão bem representada por Kate Moss. Assim o conceito de beleza foi e irá se modificando ao longo da história. Havendo em cada época um modelo fortemente definido.
O que faz parte do aspecto histórico, que é fortemente determinado pelas questões econômicas. Aonde, contraditoriamente, a oferta de alimento vai à contra mão das formas corporais valorizadas. Quer dizer, em épocas nas quais há pouca oferta de alimentos, a imagem feminina acima do peso é que indica poder, enquanto que nos períodos de abundancia de comida, como atualmente, o ser magro é o representante tanto de autodisciplina quanto sucesso (Liveira e Hutz, 2010).
Alem do fato da beleza como diferença da maioria. Quando o imperativo de uma época era o trabalho braçal que gasta muita energia, ser obeso e de pele alva era o representante maior da superioridade e realeza. Com o advento da percepção de que a obesidade é perigosa para a saúde, ser magro se tornou o alvo da riqueza. Pois no século XX, com as pesquisas científicas a obesidade foi percebida como doença, classificada até mesmo pela Organização Mundial da Saúde. E estar magro significa pagar um preço por isso, que vão desde os cuidados com alimentação, passando pelos exercícios físicos até as cirurgias plásticas (Freitas, Lima, Costa e Lucena Filho, 2010). Algo nem um pouco barato.
Há também a beleza cultural, no Japão, por exemplo, a pele bem clara é considerada a mais bonita, enquanto que aqui no Brasil é a pele bronzeada considerado o desejado. No Oriente, a Índia como representante maior, a maquiagem forte e bem marcada é o ápice do belo. Enquanto que na Europa a maquiagem discreta é considerada o ideal. Desta forma, dependendo de cada região a beleza e a forma de destacá-la também serão diferentes.
Quanto mais então no aspecto individual. Entra-se na idéia de que a “beleza depende dos olhos de quem vê”. O que é muito único para cada um. Há de se levar em conta que de acordo com a biologia evolutiva a beleza é resultado da união de simetria, harmonia e unidade, assim o belo é entendido por todos como sendo belo (Macedo e Sandoval, 2011). Como por exemplo, a imagem da rainha egípcia Nefertiti é, mesmo depois de 3000 anos, considerada ainda lindíssima. Então, o belo pode ser definido como igualmente admirado por todos. Contudo, uma pessoa pode se interessar e achar belíssima uma mulher que outra pessoa não acharia. Ou seja, há o belo considerado socialmente como real, e o belo que se destaca individualmente para cada um.
O que indica que a beleza vai além do constructo social. Há nele questões psicológicas do que cada pessoa desperta em nós, que podem ser os traços do rosto, o tipo de corpo, o olhar, o jeito de caminhar, o estilo, enfim, detalhes que fazem toda a diferença.
Por este aspecto a beleza deixa de ser apenas física para tornar-se parte da existência de cada um. Algo que se têm muito mais possibilidades de esculpir. Pois leva em conta outros atributos tais como a história de vida de cada um, a educação, a cultura, a auto-estima, o jeito de ver a vida, o estilo, os cuidados consigo mesmo, enfim, uma variedade tão grande que torna cada um tão único e belo ao seu modo.

Num mundo tão voltado para o externo, pensar em beleza dentro desta visão pode parecer um contra-senso, mas quem sabe seja o único modo possível de encontrar satisfação. Pois o padrão de beleza vigente tem cobrado um alto preço principalmente das mulheres. Transtornos alimentares como bulimia e anorexia acontecendo cada vez mais cedo. Crianças mais preocupadas com o corpo do que o brincar (Oliveira e Hutz, 2010). O envelhecimento visto como negativo, inadequado, indesejado e que deve a todo custo ser evitado (Moreira e Nogueira, 2008). Como se isso fosse possível!
O tempo é implacável, ele chega e não pede licença! Por mais belo que o corpo seja, se a mente não for saudável não é suficiente para manter a chama de um relacionamento amoroso vivo, laços familiares reais e amizades duradouras.
Os aspectos psicológicos são os únicos que nos acompanham durante toda a vida e ao contrário do físico este pode ficar mais belo com o passar do tempo.
Como influenciá-lo então?
Primeiramente olhando para sua auto-estima. Auto-estima é o juízo de valor que um indivíduo tem de si mesmo. Sua construção se inicia na mais tenra idade e influencia por toda a vida o relacionamento consigo mesmo e com as pessoas ao seu redor. Diante de desafios é este atributo emocional que possibilita confiança, força e determinação ou o contrário de tudo isto.
Uma avaliação rápida da auto-estima pode ser feito com o tentar descrever 10 características suas positivas e dez negativas. Normalmente se esbarra em não saber o que escrever, principalmente nas positivas. É tão fácil e rápido se julgar, enxergar os defeitos. Até mesmo quando se recebe um elogio, poucas pessoas agradecem, a maior parte junto com o agradecimento vem uma justificativa. Por exemplo, ao elogio de “que linda sua blusa” vem a resposta “paguei tão barato” ou “é tão velha” e assim por diante.
O fortalecimento deste atributo está relacionado ao autoconhecimento. A saber, quem você é, do que é capaz, quais suas limitações e poder gostar de si neste completo. É ser tolerante consigo mesmo, se aceitar como é. Não significa fechar os olhos para os defeitos, mas se perdoar quando cometê-los. É sair da roda-viva de exigências e cobranças que o mundo faz – cuide da casa, dos filhos, do conjugue, da carreira, dos amigos, do corpo e esteja feliz o tempo todo – para entrar na realidade de que não é possível fazer tudo isto. Há que escolher o que é prioritário e nisto focar, deixar o restante para segundo plano e fazer no seu ritmo, no seu tempo. Ao colocar os compromissos nesta dimensão fica possível encontrar o prazer de viver. Pois os comportamentos deixam de ser mecânicos e necessários, para se tornarem escolhas.
* Fernanda Rossi é psicóloga clínica de orientação Psicanalítica, formada na primeira turma de psicologia do CESUMAR. Especialista em Psicologia Clínica, mestre em Psicologia da Saúde (UMESP-SP), e com formação em observação de bebês pelo IPPIA.  

Para saber mais:
FREITAS, Clara Maria Silveira Monteiro de; LIMA, Ricardo Bezerra Torres; COSTA, António Silva e  LUCENA FILHO, Ademar. O padrão de beleza corporal sobre o corpo feminino mediante o IMC. Rev. bras. educ. fís. esporte (Impr.) [online]. 2010, vol.24, n.3, pp. 389-404. ISSN 1807-5509.
LIVEIRA, Leticia Langlois  e  HUTZ, Claúdio Simon. Transtornos alimentareso papel dos aspectos culturais no mundo contemporâneo. Psicol. estud. [online]. 2010, vol.15, n.3, pp. 575-582. ISSN 1413-7372.
MOREIRA, Virgínia  e  NOGUEIRA, Fernanda Nícia Nunes. Do indesejável ao inevitávela experiência vivida do estigma de envelhecer na contemporaneidade. Psicol. USP [online]. 2008, vol.19, n.1, pp. 59-79. ISSN 0103-6564.
MACEDO, Daniela e Sandoval, Gabriella. O QI da beleza. Revista veja. 12 de janeiro, 2011. Pg 79-85. 

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