"O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam"

Guimarães Rosa

26 de jun. de 2011

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NA ADOLESCÊNCIA: UM ENFOQUE NA RELAÇÃO MÃE E FILHA

Camila Seron*;
Rute Grossi Milani**
            A organização da identidade é um processo que, como os demais acontecimentos da adolescência, se dá com “turbulências”, com “idas e vindas”, provocando perplexidade em adultos, uma vez que estar com um adolescente significa muitas vezes ser tomado pela confusão que este experimenta em sua mente (ERIKSON, 1998). A evolução de cada indivíduo, segundo Grinberg e Grinberg (1998), é uma série contínua de mudanças, pequenas e grandes, de modo que pela elaboração e assimilação vai se estabelecendo o sentimento de identidade, entretanto a falta de crescimento e de mudança equivale à estagnação psíquica e à esterilidade emocional; ou seja, à morte psíquica.
            Esta pesquisa busca contribuir para o entendimento das influências que a relação entre mãe e filha pode representar para a jovem adolescente. Os dados coletados junto às adolescentes podem instrumentar práticas voltadas à promoção da saúde e psicoterapêuticas em relação à população envolvida. Mães e filhas contribuindo para ampliar a percepção e entendimento sobre o relacionamento entre elas e suas implicações na saúde psíquica da jovem que está se tornando mulher.
            Participaram da pesquisa dez adolescentes do sexo feminino, com idade entre quatorze e dezoito anos, cursando o ensino médio ou o ensino superior, solteiras e residindo com suas mães. Para a coleta dos dados foi utilizado um roteiro de perguntas semi-estruturado, que foi aplicado através de uma entrevista. A categorização dos dados foi baseada na análise de conteúdo proposta por Bardin (1999) e a discussão foi realizada sob o referencial teórico psicanalítico.
Os resultados serão apresentados em três categorias:
1)Desafios enfrentados na construção da identidade feminina na adolescência: mudanças hormonais, mudanças e novos cuidados com o corpo e novas exigências e responsabilidades. Estas mudanças na adolescência são sinais importantes de que a jovem está definitivamente abandonando os anos da infância para tornar-se mulher.
2) Figuras de identificação. A mãe, segundo os relatos das adolescentes estas valorizam a companhia, a ajuda e a confiança na relação materna. Nota-se assim, que a presença materna é de fundamental importância. “Mãe porque está sempre comigo, me ensinou as coisas” (A1). “Minha mãe porque me baseio nela para ser mulher” (A3), “Minha mãe ela que me da segurança, amiga, conto tudo para ela” (A5), “Mãe porque é minha mãe, é tudo, meu primeiro contato, cresci com ela, meu espelho, meu tudo” (A9). As avós: a figura das avós pode ser percebida como referência onde as adolescentes buscam conforto, carinho e atenção, na ausência da mãe. A avó, principalmente a materna, pode ser considerada como uma extensão da própria mãe. As irmãs e as tias são percebidas pelas adolescentes como mulheres amigas e companheiras. Nossa Senhora: a busca de uma identificação positiva, a representação de uma mãe ideal, na tentativa de solução das angústias.
 3) A Relação Materna e Identidade Feminina: a importância da presença, escuta, mediação e similaridade rumo à diferenciação. As adolescentes relataram a necessidade de perceber a mãe próxima delas para compartilhar vivências marcantes e ouvi-las, como por exemplo, a respeito da primeira menstruação, o primeiro beijo, primeiro namorado. A mãe é percebida como um referencial onde a filha pode “revelar os segredos”, o que ajuda a filha adolescente a conhecer seus papéis sociais e a própria feminilidade, pois a mãe tem o papel de ser a mediadora entre a filha e os acontecimentos externos. E quando a relação é permeada por pouco contato físico e verbal, sem intimidade, falta de tempo entre mãe e filha, nota-se pouca aproximação, o que dificulta vínculo entre elas. “Acho que não somos muito amigas, poderíamos ter uma relação mais próxima, mais aberta para falar as coisas” (A2). Mães que buscam incluir-se na vida das adolescentes, participam, conversam, brincam, se preocupam, perguntam sobre os acontecimentos rotineiros, contribuem para uma relação mais próxima. Mãe e filha compartilham de uma relação particular que influencia na maneira da adolescente planejar o seu próprio futuro. É no relacionamento com a mãe que a filha pode identificar-se com os atributos femininos e moldar o que é ser mulher. Aspectos percebidos na identificação da filha com a mãe: “Na cor e no corte de cabelo, não gostamos de salto alto, preferimos tênis, no jeito de limpar a casa e guardar as coisas” (A1), “Ela gosta de comprar bijuterias para combinar com uma determinada roupa e eu também, nós gostamos de gente, de conversar” (A4).
Segundo Corso (2006), “é importante que a filha reconheça elementos de identificação com a mãe. Ser com ela em alguns aspectos, mas como ponto de partida e não de chegada.” Perceber a limitação do modelo materno empurra ao trabalho de buscar referenciais e vivências que ampliam o horizonte da vida da filha. Aspectos observados na adolescente na medida em que esta se diferencia da figura materna, considerando que é através do mecanismo de oposição que a adolescente pode definir-se e colocar os seus próprios objetivos. “No trabalho dizem que já estou pior que minha mãe. Sou mais brava que minha mãe, muito mais organizada. Temos algo em comum também que é ser escritora” (A10).
            Por meio desta pesquisa foi possível compreender que a construção da identidade feminina na adolescência sofre influências da relação entre mãe e filha, pois as jovens procuram na figura da mãe um modelo, do qual com o passar do tempo conseguem se diferenciar, entretanto carregam consigo características essenciais vividas dessa relação. Outro aspecto relevante levantado durante esta pesquisa é o fato de que as avós maternas são consideradas figuras significativas no desenvolvimento da identidade feminina das adolescentes, pois são percebidas como mulheres cuidadoras, acolhedoras e receptivas.
Na amostra estudada observou-se uma tendência das filhas seguirem o modelo da mãe, pois percebem no jeito de ser, nas atitudes e comportamentos da mãe, o que podem se identificar, tornando esta relação mais próxima e favorável para o desenvolvimento da identidade feminina. Ressalta-se, porém, que tais adolescentes apresentavam uma relação predominantemente positiva com suas mães, o que influenciou para os resultados obtidos, mostrando a importância da relação materna. Portanto, sugerem-se novos estudos com adolescentes em situação de vulnerabilidade, com a violência doméstica, a separação dos pais, a doença mental materna e a gravidez precoce, no sentido de elucidar as relações de adversidade no contexto familiar e os processos de construção da identidade feminina.


Para saber mais:
CORSO, D. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.
ERIKSON, E. O ciclo da vida completo. Porto Alegre: Artmed, 1998.
GRINBERG, L.; GRINBERG, R. Identidade e mudança. Lisboa: Climepsi, 1998.
MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo – Rio de Janeiro: Hucitec – Abrasco, 1999. 


* Camila Seron é psicóloga e ex-aluna do Cesumar.
** Rute Grossi Milani é psicóloga e professora do curso de Psicologia (CESUMAR).

19 de jun. de 2011

PARA QUE O AQUI E AGORA?

Amanda Marconi*

        O nosso intuito nesse artigo será discutir a respeito de como a prática gestáltica pode viabilizar ao cliente ser sujeito de seu processo psicoterápico e, consequentemente, de sua vida. Com essa pretensão, trata o conceito do aqui e agora proposto pela Gestalt- terapia, e como ele se torna importante no resgate da subjetividade.
           A questão central é: como o aqui-e-agora promove a emergência da subjetividade?
O aqui-e-agora talvez seja um dos conceitos que mais caracteriza a terapia gestáltica e o menos entendido nos meios acadêmicos. É considerado de forma ingênua, estanque no sentido contextual e histórico, ou seja, presente, passado e futuro são percebidos desconectados. Esse tipo de interpretação desconsidera completamente o enfoque holístico que permeia essa abordagem. Pensar o processo de subjetivação conjugado ao conceito gestaltico do aqui-e-agora tem uma importância impar, pois atualmente se vive no contexto cultural no qual tudo é fast – a comida, as interpretações, o contato consigo mesmo. Polsters a Polsters (2001) salientam que o sistema cultural precisa de novos modos que estimulem as pessoas a experimentarem suas ações no presente. Tal estimulação é essencial, pois possibilita estar em contato com o que está acontecendo consigo mesmo de forma integrada, resgatando assim a condição constituidora de sua existência.
           Ressalta-se que, na experiência da Gestal-terapia, objetiva-se favorecer a manifestação da história em si, no presente. A possibilidade de que o cliente, por si mesmo, traga a sua história e a reexperimente no espaço em que se insere o aqui, é no tempo presente, o agora, é uma busca incessante. Então, ao contatar a história de vida, abre-se a possibilidade de configuração e de reconfiguração da sua trajetória, a qual abriga presente, passado e futuro, o que não implica a revogação do passado ou do futuro, mas a busca  e a possibilidade de re-significá-los, restabelecendo a integração da dinâmica espaço-temporal. Ao fincar os pés no presente, tanto o passado quanto o futuro, que outrora pareciam assustadores, assumem uma dimensão diferente.
         Petrelli (1999) utiliza-se, para visualização dessa integração temporal, da metáfora da haste de um pendulo de um relógio que, ao transitar livremente pela esquerda, pelo centro, pela direita, promove o movimento e restaura a fluidez temporal, tão necessária ao que se considera saúde na perspectiva fenômeno – existencial.
          Na constituição do processo terapêutico, participam terapeuta e cliente, cada qual com suas vivencias e expectativas passadas e atuais, trazidas de suas respectivas histórias. Essa miscelânea de aspectos constitui o sentido subjetivo que cada um confere ao seu mundo. Assim, configura-se o espaço relacional, o qual se encontra mergulhado em um contexto de pura historicidade. Nesse sentido, Ribeiro (1998) ressalta que só se compreende o ser mediante a contextualização, ou seja, levando em conta o seu meio, sua história, suas vivencias passadas e sonhos futuros. O acesso a esse contexto só é possível no presente e por meio da relação e do contato.
Assim, terapeuta e cliente compartilham da sociedade do fast, que impossibilita, muitas vezes, que se faça contato com o presente e com os sentimentos, pensamentos e ações (processos subjetivos). Engajado no diálogo e na postura fenomenológica, pode observar o que aparece, o que implica ter a sabedoria da espera e não se perder nas inúmeras tentações de tornar o processo psicoterápico fast. Tanto cliente como terapeuta estão inseridos em contextos sociais que, como descreve Ribeiro (1998), promovem a perda do contato com as motivações extrínsecas endêmicas a sua cultura.
          O terapeuta tem função de estar ali, para testemunhar o encontro do cliente  consigo mesmo, é a de assumir uma atitude de fé no cliente (Juliano,1999;Ribeiro,1998) na sua capacidade de reescrever sua história e a de saber que só o cliente tem a habilidade suficiente para reconfigurar o seu contexto, alicerçado no aqui-e-agora, é a de promover as transformações necessárias em si mesmo e em seu mundo, pois eles estão extrinsecamente ligados de forma circular.

* Amanda Marconi é psicóloga ex-aluna do Cesumar.

Para saber mais:
JULIANO, J.C. A arte de restaurar história: libertando o diálogo. Sao Paulo: Summus, 1999.
PETRELLI, R. Para uma psicoterapia em perspectiva fenômeno-existencial. Goiania:UCG, 1999.
POLSTER, E.; POSLTER, M. Geslterapia integrada. Sao Paulo: Summus, 2001.
RIBEIRO, W.F.R .Existencia = essência. São Paulo: Summus, 1998.

13 de jun. de 2011

ESCOLHA VIVER

Germano Brites*
A nossa vida é feita de escolhas como já dizia o ilustríssimo Jean Paul Sartre. Seguindo a linha de raciocínio de Sartre, vemos que o homem está fadado a escolher e que o não escolher também é escolher; toda escolha acarreta conseqüências (nas quais residem os medos). Muitas vezes em nossas vidas não fazemos escolhas com medo de errar, pois então devemos considerar que todos os homens têm medo; não ter medo não é normal e isso nada tem a ver com a coragem.
Parafraseando Shakespeare "O maior erro que você pode cometer é o de ficar o tempo todo com medo de cometer algum.", pois acredito que errar é viver e errar é crescer, então não tenhamos medo de errar, pois nós enquanto homens buscamos nunca errar e isso é algo permitido somente para Deuses, porém, Ser homem é tender a ser Deus; ou, se preferirmos, o homem é fundamentalmente o desejo de ser Deus.
Então não tenhamos medo de errar e sim de não tomar atitudes; pois como crianças no escuro temos medo daquilo que é desconhecido; porém só se conhece o desconhecido acendendo a luz, ou seja, agindo. Somos livres, porém condenados a ser livres no sentido que somos obrigados a escolher; assim sendo, liberdade não é fazer o que se quer, mas querer fazer o que se faz.
Em inúmeros casos quando apresento este tipo de perspectiva, me falam que as escolhas de outras pessoas nos impedem de agir, acredito que isso pouco interfira na liberdade do homem. A partir de uma visão sartriana; o importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós; em outras palavras temos que escolher acerca das escolhas dos outros sobre nós. Levando em conta esse tipo de visão, percebo que não reagir é a pior forma de reagir.        
  
*Germano Brites é aluno do 4° ano do curso de Psicologia no Cesumar.

5 de jun. de 2011

NÃO É COISA DE LOUCO


Dianna Schmeiske*

Confissões de um empresário bem sucedido:
“Hoje foi um dia difícil, sinto um insistente nó na garganta e um aperto no peito, embora procure nos contatos de telefone e nos velhos amigos, fica a sensação de não ter com quem conversar, pois existe em mim, um receio em parecer fraco ou ser mal interpretado. Gostaria de ser poupado do olhar espantoso ao contar meus tropeços e de obter atenção em cada palavra externada. Na última conversa com um amigo tive minhas preocupações subestimadas, me cansei de conselhos prontos e frases clichês. Minhas emoções estão todas trancadas em um quarto escuro, mal posso ver e tenho medo de acender a luz, tamanha a desorganização interna que me encontro, mas preciso dividir o peso com alguém que me ajude a organizar essa bagunça.”
Eis aqui o trecho de uma carta, um pedido da alma por alívio e saúde da mental.
Talvez seja algo que você tenha vontade de dizer, também pode acontecer quando escutamos uma música em que o compositor traduz exatamente o que se passa conosco.
Às vezes carregamos malas abarrotadas de entulhos e objetos desnecessários, que insistimos em levar, não importando quão longo será o caminho. E depois de muito caminhar, os pés começam a reclamar, os braços doem e paramos no meio da estrada percebendo que não se vai muito longe sozinho. Neste momento a única saída é admitir e pedir ajuda. Seus familiares estão ocupados demais, e o restante das pessoas que você conhece parece ter soluções para tudo! Você só quer alguém que ouça, e não uma receita de bolo.
E o psicólogo?
“Imagina, isso é coisa para louco, que eu saiba não tenho nenhum transtorno, não é para tanto.”
A frase acima não é tão assustadora, pois ainda ouço. Embora a procura por profissionais da psicologia tenha aumentado, ainda existe certo estigma acerca do verdadeiro trabalho oferecido por parte dos mesmos.
É comum que se espere de uma coluna sobre comportamento e psicologia, um texto relacionado à ansiedade, aos transtornos alimentares, às disfunções sexuais, e depressão. Afinal, são assuntos pertinentes à área.
Todavia, ressalto sem sombra de dúvida, o quão importante é, conscientizar-se acerca do verdadeiro sentido em fazer terapia. Dentro do Setting (ambiente) terapêutico não existe o que apenas escuta e o que apenas fala, é uma relação de troca. E quer saber? Pode ser que você queira ficar em silêncio, e o silêncio também é um som, que, às vezes, diz muito mais do que a sonoridade das palavras, mas o importante mesmo é que de fato existe empatia nessa relação. Alguém disposto a estender as mãos á quem o procura e pensar realmente no que se passa do outro lado da barreira física.
A terapia é mais que tratar compulsões e transtornos, sua dimensão vai além, poderia ficar horas citando os benefícios. Ninguém é autosufisciente, até mesmo o psicólogo procura outro psicólogo.  Priorizamos tantas coisas e nos esquecemos que cuidar de nossas emoções é a chave do sucesso e da felicidade para fluir nas demais áreas da vida.
            Por isso, convido você a se permitir essa linda vivência.

* Dianna Schmeiske é psicóloga e ex-aluna do Cesumar.