Vinícius Romagnolli
Rodrigues Gomes*
O psicólogo (em especial o psicanalista) é por
excelência um sujeito desconfiado, isso por que o método da psicanálise é
buscar um sentido que vai além do que é dito, visto e perceptível, buscando um
sentido para além do sintoma, um significado para um significante; buscando
lutar contra um esquecimento. A psicanálise é uma ferramenta legítima para
ajudar a compreender o passado. Nesse sentido, vemos que não só o psicanalista,
mas também o historiador é uma espécie de “psicólogo amador”, na medida em que
argumenta e faz uma reflexão em lugar de atribuir causa e motivos de forma
negligente. Tal posição é defendida por Peter Gay (1989) em sua obra “Freud
para historiadores”, na qual defende a tese de que a Psicanálise pode ser
aplicada a todos os ramos da pesquisa histórica sem substituir outras
abordagens interpretativas.
A “desconfiança” tão necessária ao psicanalista e ao
historiador parece uma característica cada vez mais presente na sociedade
atual, na qual somos impelidos, cada vez mais cedo e com mais intensidade, a
entrar em uma competitividade visando obter o sucesso num mundo cuja lógica do
consumo parece ter atravessado o inconsciente, sendo a mercadoria o grande
organizador dos laços sociais; logo, o que vemos são pessoas céticas, que
dificilmente acreditam que algo ou alguém possa ser genuinamente bom ou bem
intencionado. Daí decorre a dificuldade na construção de laços afetivos, tendo
em vista que a base de um relacionamento deve-se pautar (ou supostamente
deveria) na confiança. Mas as perguntas que ficam são: como confiar em alguém
em um mundo que nos faz ver o outro como um concorrente? Estaríamos vivendo o
paradoxo de uma “sociedade da solidão”?
Considero, assim como muitos autores, que a cultura se
reflete nos processos se subjetivação (fato que demonstra ainda mais a
importância da articulação História/Psicanálise). Assim sendo, temos hoje uma
“cultura do narcisismo, marcada pela descrença generalizada nos valores
tradicionais, e por uma intensa busca do prazer pessoal e do individualismo em
detrimento dos ideais coletivos. Esses valores individualistas e competitivos
desencadearam uma “crise do sujeito”, a qual se configura como uma crise de
ordem simbólica e que corresponde à pulverização das referências que
sustentavam a transmissão da lei (ou crise da função paterna), transformando o
homem contemporâneo em um “homem sem gravidade”, cujas referências tradicionais
(Deus, pátria, família, trabalho e pai) deram lugar a outra referencias
optativas para uso privado do freguês.
Há atualmente um apagamento da “dívida simbólica” que
leva o sujeito a se ver como totalmente independente dos pais e dos grupos
sociais aos quais pertence. E qual a relação desse contexto com a questão da
desconfiança?
Ao concebermos a vida como um empreendimento e não mais
como uma jornada de riscos, que inclui altos e baixos, acertos e erros;
passamos a buscar resultados garantidos (desde os primeiros anos de vida) que
possam contribuir para nossa inserção na voraz competição do mercado de
trabalho. Assim, o que se vê são pessoas cada vez mais esvaziadas de
imaginação, vida interior e capacidade criativa, sendo que os valores estão
cada vez mais atravessados pela linguagem da eficiência comercial. Diante
disso, somos sujeitos a cada vez mais desconfiar das pessoas e das coisas em um
mundo que privilegia o logos e não o mythos, em uma sociedade “desencantada”
e dita esclarecida, que se julga livre da influência mítica.
A desconfiança no sentido de buscar algo além do
manifesto, inerente à atividade do psicanalista e do historiador, é diferente
do medo estéril e do ceticismo que se fazem cada vez mais presentes na
atualidade. É algo que nos impulsiona na busca para uma compreensão mais fiel
da realidade externa, a qual está intrinsecamente ligada à nossa realidade
interna; assim sendo, desconfie das dicotomizações e dualidades, pois não há
bem sem mal, logos sem mythos, consciência sem o inconsciente,
bem como não há História sem Psicologia.
*Vinícius Romagnolli
Rodrigues Gomes é psicólogo e historiador.
Para saber mais:
GAY, Peter. Freud para historiadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1989.
KEHL, Maria Rita. Sobre Ética e Psicanálise. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002
Psicologia em foco ou psicanálise?
ResponderExcluirPsicologia em foco, o jornal visa todas as vertentes e areas da psicologia.
ResponderExcluirO JPF não é um jornal que tem o intuito de defender ou difundir abordagens, temos o compromisso com o conhecimento, com a integração de saberes.
ResponderExcluirCada pessoa tem uma visão de homem, e não há como se abster desta para escrever matérias.
Mas o leitor anônimo empenhado e dedicado em seu crescimento, certamente deve ter lido matérias anteriores tanto do blog como do jornal que distribuímos gratuitamente, deve ter percebido que postamos matérias da Gestal, comportamental, psicanálise e até mesmo que fazemos integração com outras arêas do conhecimento.
Mas temos como sugestão p/ o leitor anônimo, que escreva matérias sobre sua abordagem e nos mande, com toda certeza publicaremos porque como já dito, mas não faz mal em reforçar, nosso compromisso esta em tornar acessível todo conhecimento relevante produzido no meio psi, através de artigos, noticias, dicas de leitura e de filmes, bem como de eventos relacionados à área da Psicologia, além de buscar uma interdisciplinariedade com outras áreas do conhecimento.
Agradecemos o comentário e esperamos sua matéria.
Aham dei uma outra olhada em seu histórico, só psicanálise... e psicanalistas... (Senta lá Cláudia).
ResponderExcluirCaro leitor, acredito que talvez tenha passado desapercebido pelas matérias, e não tenha reconhecido algumas abordagens, sendo assim irei apontar algumas das matérias de abordagens diferentes da psicanálise que foram publicadas no no blog:
ResponderExcluir03/07/2011.
ESCUTAR O QUE SE OUVE .
DIOGO LUIZ SANTANA GALLINE*
03/09/2011.
SER APRENDIZ
MS. CRISTINA DI BENEDETTO
PARA QUE O AQUI E AGORA?
19/06/2011
AMANDA MARCONI.
Quero ainda ressaltar que aqui no blog escolhemos algumas matérias e postamos.
Mas publicadas, temos mais matérias.
Entendemos sua reclamação, e nos colacamos empaticamente em seu lugar.
No entanto, se faz necessário ressaltar algo de extrema importância nesse contexto; Se recebecemos mais matérias de abordagens diferentes, elas certamente seriam publicadas, s assim mais uma vez ressaltamos nos envie matérias.
Mais uma vez agradecemos a sua contribuição, acreditamos que a partir de críticas construtivas e colaborativas, podemos crescer e nos tornar cada vez melhor.