Karla Mariana Fernandes
Guimarães*
Olá! Proponho aqui uma reflexão sobre os relacionamentos
amorosos. Partirei do pressuposto de que todas as pessoas, inclusive as
solitárias, são seres que estão constantemente à procura de convivência. Nós,
estudiosos de psicanálise, entendemos que nossas vivências mais primitivas, em
especial com as pessoas que nos cuidaram, formam o protótipo para todas as
vivências posteriores que viermos a ter.
Aceitando a idéia de que o ser humano percebe o mundo
através de “lentes” inconscientes, pode-se pensar que um encontro amoroso é um
encontro inconsciente de duas personalidades que procuram uma na outra aspectos
que não foram desenvolvidos em si, e vêem a possibilidade de satisfação das
demandas emocionais. Como se fosse um ímã para as identificações entre ambos.
Além das identificações, outro mecanismo que entra em
cena nesse período é a projeção. O casal projeta um no outro todos os desejos e
demandas afetivas, e projeta também o senso crítico, ficando à mercê da paixão
aflorada. Neste estado de paixão o casal é capaz de passar dias trancado num
quarto vivendo apenas de amor, ou de um chocolatinho e água de vez em quando.
Tudo o mais fica num plano secundário. Esse processo é necessário para que
aconteçam as uniões amorosas. De que outro modo você se relacionaria com uma
pessoa que escuta músicas que você detesta, ou tem hábitos que você julgaria
abomináveis se fossem praticados por qualquer outra pessoa do mundo?
Conforme o tempo passa a paixão ameniza, a realidade
externa volta a surtir efeito e os pombinhos têm a possibilidade de enxergar um
ao outro de maneira mais sensata e isso cria algumas possibilidades: O casal
pode separar-se nesse instante. O que quer dizer que as identificações não
foram sustentadas. Ótimo, se não deu certo, melhor é acabar logo. Pode
acontecer também de o casal, mesmo depois de readquirir o senso crítico,
continuar admirando um ao outro e ficar junto, ocorrendo a possibilidade de uma
união sólida e saudável. Melhor ainda!
O pré-requisito para uma união sólida e saudável é o
estabelecimento de um vínculo afetivo, que compreende a união de aspectos
subjetivos entre o casal e modificações subjetivas em ambos durante o
relacionamento. Para que esse vínculo se estabeleça cada um do par precisa
abrir mão da identidade prévia, dos sentidos pessoais, aceitar as
identificações provindas do outro e as identificações criadas pelo próprio
vínculo entre eles. Nesse momento é natural surgir um colapso identificatório,
que implica no questionamento de certezas, convicções, sonhos e planos prévios
de cada um. Por exemplo: o sonho de uma moça em ter vários filhos se chocando
com os objetivos de um rapaz que sonha trabalhar e viajar muito antes de ter
filhos, isso se os tiver...
Inegavelmente, é comum acontecer de o casal manter-se
unido e demasiadamente envolvido em seus conteúdos inconscientes, de modo a
estabelecer um conluio inconsciente em que cada um fica responsável por suprir
as demandas do outro. Esses não conseguem criar um vínculo afetivo, comungam
apenas de um contato.
Quando um do par se cansa de servir de apoio emocional
ao outro ou o outro percebe que não está tendo as demandas satisfeitas, iniciam
os conflitos. As brigas acontecem e em casais mais doentios, até agressões
físicas. Contudo, a separação não acontece. O casal parece viver em sintonia
com as lamúrias e ameaças. Um não consegue viver sem o outro mesmo que seja
“aos trancos e barrancos”. Se por qualquer motivo, um do par cresce
emocionalmente, amadurece, impunham-se duas saídas para eles: ou o outro
utiliza seus recursos internos para amadurecer também, ou a separação acontece.
Quando a saída escolhida por este tipo de casais for a
separação, ela pode ser considerada um mecanismo utilizado para não ficarem
fundidos um com o outro. Claro que é uma defesa fóbica diante da sensação de
sufocamento, porém, extremamente saudável. A separação pode ser um convite à
realização de luto e reflexão – estados de mente necessários para que cada um
possa elaborar coisas mal resolvidas interna e externamente – poder tornar-se
disponível a novas projeções e identificações mais saudáveis e estar aberto
realmente ao estabelecimento de vínculos afetivos.
* Karla Mariana Fernandes
Guimarães é psicóloga (CRP 08/15469)
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