"O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam"

Guimarães Rosa

17 de jul. de 2011

PSICÓLOGO HOSPITALAR: UM ESPAÇO CONQUISTADO

Soraya Ruiz de Souza Sanches*
Muito tem se falado em ampliar o atendimento psicológico, diversificando a atuação do psicólogo para várias áreas além da clínica tradicional. Uma das áreas que tem ganhado ênfase é a da Psicologia Hospitalar, como ramo da psicologia da saúde. O psicólogo no contexto hospitalar já é uma realidade e a importância de seu trabalho tem sido reconhecida dia a dia. Com certeza não foi fácil conquistar este espaço, mas com a evolução do conceito de saúde que deixa de compreender o individuo de maneira dicotimizada e fragmentada, buscando uma visão biopsicossocial, na qual o indivíduo passa a ser visto de forma totalizante, visando o seu bem estar biopsicossociocultural e não apenas a ausência da doença. Diante disso a psicologia tem avançado em seu campo de atuação e conquistado um espaço cada vez mais solidificado na atuação do psicólogo. Obstáculos foram encontrados e ainda serão, mas a consolidação desta área de atuação assim como a efetivação da inserção do psicólogo em equipes multidisciplinares  auxiliam nesta visão ampla da prática no âmbito da saúde e devem se transformar em projetos que visem atender as necessidades psicossociais da demanda hospitalar.
Mas o que é a psicologia hospitalar e o que faz o psicólogo neste contexto? Segundo Simonetti (2004) “Psicologia Hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”. O autor lembra ainda que a psicologia hospitalar não cuida apenas das doenças com causas psíquicas, mas de qualquer doença, que envolvem sempre de alguma forma, aspectos psicológicos, já que o indivíduo que adoece tem sua subjetividade. Para Campos (2010) “ouvir clientes, familiares e profissionais de saúde na busca da compreensão de suas histórias pessoais, de sua forma de pensar, sentir e agir é a estratégia básica de ação do psicólogo (...) que se coloca como intermediador das relações interpessoais”.
Assim, pode-se pensar que o psicólogo, como conhecedor do ser humano, tem também a função de entender os aspectos que envolvem o adoecimento para que possa auxiliar o individuo a atravessar o processo de hospitalização, facilitando este processo, oferecendo uma escuta para que o paciente possa falar da doença ou de qualquer assunto que o angustie. Isso ajuda o mesmo a entender como está sendo a relação do individuo com a doença, que significados este atribuiu à hospitalização e ao tratamento e o que este momento simboliza em sua vida. Compreendendo que o individuo tem sua subjetividade, suas vivências, sua história de vida e que quando é surpreendido pelo adoecimento, produz aspectos psicológicos que muitas vezes não havia parado para refletir, pensar ou até temer.
É diante de uma situação de crise que a pessoa vivencia intensas transformações em sua vida, que tanto podem ser positivas quanto negativas e nesse aspecto o psicólogo pode ajudar o paciente no processo de ressignificação de experiências e na busca para readquirir  o equilíbrio perdido. O adoecimento deve ser avaliado não isoladamente, mas somado ao estresse da mudança de ambiente (hospitalização), às limitações impostas pela doença, pelo constrangimento dos procedimentos invasivos que o paciente vai se submeter, a perda da sua autonomia e privacidade, entre outros aspectos que podem interferir no estado psicológico do indivíduo. Para lidar com os aspectos que o adoecimento impõe e que geram angústia no paciente (sendo esta uma reação diante de alguma ameaça do ego à sua integridade) é que este lança mão de seus mecanismos de defesa, que no contexto hospitalar pode-se perceber a utilização mais freqüente da negação, da fantasia, da projeção, da racionalização e da sublimação.
Para realizar sua função no contexto hospitalar, o psicólogo deve fazer um trabalho que envolve a tríade paciente, família e equipe de saúde, através de projetos de humanização, que é a grande vertente do trabalho do psicólogo, sendo necessário ampliar o olhar para situações que vão além dos sintomas físicos. Para Andreoli (2008) “O novo psicólogo é aquele profissional que se aventura na tarefa da escuta atenta dos vários atores participantes do cuidado e que pretende dar voz àqueles que, por alguma razão, se encontram silenciados e em conflito. Esta tarefa é particularmente importante quando tratamos de trazer ao ambiente e à convivência hospitalares a dimensão humana”.
Em relação à humanização, tais projetos é que vão instrumentar a equipe e a família a lidar com o paciente, acolhendo adequadamente, fornecendo informações necessárias, demonstrando como intervir com pacientes agressivos, quais as fases que envolvem o adoecer (negação, raiva/revolta, barganha, depressão e aceitação), quais os aspectos emocionais mais frequentes do paciente hospitalizado, identificando as dificuldades dos cuidadores, quais os recursos de enfrentamento que o paciente disponibiliza (resiliência), se tem uma rede de apoio favorável, entre outros.
Para ilustrar a importância da atuação do psicólogo na prática, segue fragmentos de um caso atendido no contexto hospitalar durante o período de estágio. M.F., sexo masculino, 62 anos, atendido na UTI após fazer uma hemicolectomia, demonstrava conhecimento da necessidade da retirada de um pedaço de seu intestino há 15 dias (desde o diagnóstico), relatando não apresentar sintomas anteriormente que ao seu ver justificasse o tumor maligno. Ao ser abordado pela psicóloga e perguntado como se sentia respondeu em termos médicos, falando do procedimento e do problema em seu intestino, que segundo “todos” os médicos e familiares que o visitavam diziam estar bem, em boa recuperação.
A psicóloga então insiste em saber como estava não fisicamente, mas sim emocionalmente, após o diagnóstico relâmpago e a intervenção cirúrgica e nesse momento o paciente se expressa com choro. Depois de alguns minutos pede desculpas e diz: “que bom que alguém quer saber como estou me sentindo, eu já havia me esquecido que era uma pessoa com sentimentos, só pensava no meu intestino todos esses dias e acho que me tornei esse pedaço do meu corpo” (sic). A psicóloga pôde então trabalhar seus aspectos emocionais que estavam contidos até o momento, bem como seus medos diante da “perda” da saúde e possíveis transformações que acarretariam em sua vida, que “todos” evitavam falar, inclusive ele.
* Soraya Ruiz de Souza Sanches é psicóloga, ex-aluna do Cesumar.

Para saber mais:
ANDREOLI, Paola Bruno de Araújo. Psicologia no hospital e os caminhos para a assistência na UTI; In : Psicologia e Humanização: assistência aos pacientes graves / Elias Knobel, Paola B. de Araujo Andreoli, Manes R. Erlichman. – São Paulo: Atheneu, 2008.
CAMPOS, Eugênio Paes. Prefácio, In: psicologia hospitalar e da saúde: consolidando práticas e saberes na Residência/ Maria Stella T. Filgueiras, Fernanda D. Rodrigues, Tânia M.S. Benfica (org). – Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
SIMONETTI, Alfredo. Manual de psicologia hospitalar: o mapa da doença / Alfredo Simonetti. – São Paulo: Casa do psicólogo, 2004.

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