Camila Seron*;
Rute Grossi Milani**
Rute Grossi Milani**
A organização da identidade é um processo que, como os demais acontecimentos da adolescência, se dá com “turbulências”, com “idas e vindas”, provocando perplexidade em adultos, uma vez que estar com um adolescente significa muitas vezes ser tomado pela confusão que este experimenta em sua mente (ERIKSON, 1998). A evolução de cada indivíduo, segundo Grinberg e Grinberg (1998), é uma série contínua de mudanças, pequenas e grandes, de modo que pela elaboração e assimilação vai se estabelecendo o sentimento de identidade, entretanto a falta de crescimento e de mudança equivale à estagnação psíquica e à esterilidade emocional; ou seja, à morte psíquica.
Esta pesquisa busca contribuir para o entendimento das influências que a relação entre mãe e filha pode representar para a jovem adolescente. Os dados coletados junto às adolescentes podem instrumentar práticas voltadas à promoção da saúde e psicoterapêuticas em relação à população envolvida. Mães e filhas contribuindo para ampliar a percepção e entendimento sobre o relacionamento entre elas e suas implicações na saúde psíquica da jovem que está se tornando mulher.
Participaram da pesquisa dez adolescentes do sexo feminino, com idade entre quatorze e dezoito anos, cursando o ensino médio ou o ensino superior, solteiras e residindo com suas mães. Para a coleta dos dados foi utilizado um roteiro de perguntas semi-estruturado, que foi aplicado através de uma entrevista. A categorização dos dados foi baseada na análise de conteúdo proposta por Bardin (1999) e a discussão foi realizada sob o referencial teórico psicanalítico.
Os resultados serão apresentados em três categorias:
1)Desafios enfrentados na construção da identidade feminina na adolescência: mudanças hormonais, mudanças e novos cuidados com o corpo e novas exigências e responsabilidades. Estas mudanças na adolescência são sinais importantes de que a jovem está definitivamente abandonando os anos da infância para tornar-se mulher.
2) Figuras de identificação. A mãe, segundo os relatos das adolescentes estas valorizam a companhia, a ajuda e a confiança na relação materna. Nota-se assim, que a presença materna é de fundamental importância. “Mãe porque está sempre comigo, me ensinou as coisas” (A1). “Minha mãe porque me baseio nela para ser mulher” (A3), “Minha mãe ela que me da segurança, amiga, conto tudo para ela” (A5), “Mãe porque é minha mãe, é tudo, meu primeiro contato, cresci com ela, meu espelho, meu tudo” (A9). As avós: a figura das avós pode ser percebida como referência onde as adolescentes buscam conforto, carinho e atenção, na ausência da mãe. A avó, principalmente a materna, pode ser considerada como uma extensão da própria mãe. As irmãs e as tias são percebidas pelas adolescentes como mulheres amigas e companheiras. Nossa Senhora: a busca de uma identificação positiva, a representação de uma mãe ideal, na tentativa de solução das angústias.
3) A Relação Materna e Identidade Feminina: a importância da presença, escuta, mediação e similaridade rumo à diferenciação. As adolescentes relataram a necessidade de perceber a mãe próxima delas para compartilhar vivências marcantes e ouvi-las, como por exemplo, a respeito da primeira menstruação, o primeiro beijo, primeiro namorado. A mãe é percebida como um referencial onde a filha pode “revelar os segredos”, o que ajuda a filha adolescente a conhecer seus papéis sociais e a própria feminilidade, pois a mãe tem o papel de ser a mediadora entre a filha e os acontecimentos externos. E quando a relação é permeada por pouco contato físico e verbal, sem intimidade, falta de tempo entre mãe e filha, nota-se pouca aproximação, o que dificulta vínculo entre elas. “Acho que não somos muito amigas, poderíamos ter uma relação mais próxima, mais aberta para falar as coisas” (A2). Mães que buscam incluir-se na vida das adolescentes, participam, conversam, brincam, se preocupam, perguntam sobre os acontecimentos rotineiros, contribuem para uma relação mais próxima. Mãe e filha compartilham de uma relação particular que influencia na maneira da adolescente planejar o seu próprio futuro. É no relacionamento com a mãe que a filha pode identificar-se com os atributos femininos e moldar o que é ser mulher. Aspectos percebidos na identificação da filha com a mãe: “Na cor e no corte de cabelo, não gostamos de salto alto, preferimos tênis, no jeito de limpar a casa e guardar as coisas” (A1), “Ela gosta de comprar bijuterias para combinar com uma determinada roupa e eu também, nós gostamos de gente, de conversar” (A4).
Segundo Corso (2006), “é importante que a filha reconheça elementos de identificação com a mãe. Ser com ela em alguns aspectos, mas como ponto de partida e não de chegada.” Perceber a limitação do modelo materno empurra ao trabalho de buscar referenciais e vivências que ampliam o horizonte da vida da filha. Aspectos observados na adolescente na medida em que esta se diferencia da figura materna, considerando que é através do mecanismo de oposição que a adolescente pode definir-se e colocar os seus próprios objetivos. “No trabalho dizem que já estou pior que minha mãe. Sou mais brava que minha mãe, muito mais organizada. Temos algo em comum também que é ser escritora” (A10).
Por meio desta pesquisa foi possível compreender que a construção da identidade feminina na adolescência sofre influências da relação entre mãe e filha, pois as jovens procuram na figura da mãe um modelo, do qual com o passar do tempo conseguem se diferenciar, entretanto carregam consigo características essenciais vividas dessa relação. Outro aspecto relevante levantado durante esta pesquisa é o fato de que as avós maternas são consideradas figuras significativas no desenvolvimento da identidade feminina das adolescentes, pois são percebidas como mulheres cuidadoras, acolhedoras e receptivas.
Na amostra estudada observou-se uma tendência das filhas seguirem o modelo da mãe, pois percebem no jeito de ser, nas atitudes e comportamentos da mãe, o que podem se identificar, tornando esta relação mais próxima e favorável para o desenvolvimento da identidade feminina. Ressalta-se, porém, que tais adolescentes apresentavam uma relação predominantemente positiva com suas mães, o que influenciou para os resultados obtidos, mostrando a importância da relação materna. Portanto, sugerem-se novos estudos com adolescentes em situação de vulnerabilidade, com a violência doméstica, a separação dos pais, a doença mental materna e a gravidez precoce, no sentido de elucidar as relações de adversidade no contexto familiar e os processos de construção da identidade feminina.
Para saber mais:
CORSO, D. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.
ERIKSON, E. O ciclo da vida completo. Porto Alegre: Artmed, 1998.
GRINBERG, L.; GRINBERG, R. Identidade e mudança. Lisboa: Climepsi, 1998.
MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo – Rio de Janeiro: Hucitec – Abrasco, 1999.
* Camila Seron é psicóloga e ex-aluna do Cesumar.
** Rute Grossi Milani é psicóloga e professora do curso de Psicologia (CESUMAR).