Vinícius Romagnolli Rodrigues Gomes*
Carlo Ginzburg, historiador italiano, busca em sua obra “Mitos, emblemas, sinais” (1989) demonstrar como emergiu por volta do final do século XIX o modelo epistemológico ou o paradigma indiciário. Para chegar a tal objetivo, o autor correlaciona história da arte, psicanálise, investigação, semiótica, focando seu estudo principalmente em três figuras: o crítico de arte Giovanni Morelli, o fundador da psicanálise Sigmund Freud e o personagem de Arthur Conan Doyle: Sherlock Holmes. A partir desses nomes Ginzburg constrói o paradigma de um “saber indiciário”, um método de conhecimento baseado na observação do pormenor revelador e que traz à luz detalhes negligenciados, revelando perspectivas surpreendentes.
Ginzburg cita Morelli e seu método para identificar falsificações; baseando-se não nas características mais vistosas e, portanto mais facilmente imitáveis, mas sim nos pormenores mais negligenciáveis e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor pertencia. Tal método, porém, foi julgado mecânico e positivista e caiu em descrédito. O autor nos leva a perceber a aproximação do “método indiciário” de Morelli ao método que era atribuído a Sherlock Holmes pelo seu criador, Arthur Conan Doyle, ou seja, uma relação entre o conhecedor de arte e o detetive que desvenda um crime baseando-se em indícios imperceptíveis para a maioria das pessoas.
A correlação feita entre Morelli e a psicologia moderna, mais especificadamente com Freud, (para o qual há uma primazia do inconsciente sobre o consciente no que diz respeito ao nosso caráter). O autor fala sobre o ensaio de Freud “O Moisés de Michelangelo” (1914), no qual o pai da psicanálise cita Morelli e ressalta a importância dos detalhes secundários e das particularidades insignificantes. O próprio Freud fala da aproximação entre o método de Morelli e à técnica da psicanálise médica, sendo que esta também faz sua investigação em coisas concretas e ocultas, através de elementos pouco notados ou despercebidos por nossa observação.
A leitura dos ensaios de Morelli representou para Freud, a proposta de um método interpretativo centrado sobre os resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores; a partir dessa visão, os pormenores considerados sem importância anteriormente passavam a fornecer a chave para se chegar aos produtos mais elevados do espírito humano.
Vemos assim, delinear-se uma analogia entre os métodos de Morelli, Sherlock Holmes e Freud. Nos três casos, há pistas que permitem captar uma realidade mais profunda; mais precisamente signos pictóricos (no caso de Morelli), indícios (para Holmes) e sintomas (para Freud). Essa tripla analogia tem fundamento e ligação pela semiótica ou semiologia médica, ou seja, a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais e por vezes irrelevantes aos olhos do leigo.
*Vinícius Romagnolli Rodrigues Gomes é psicólogo ex-aluno do Cesumar e historiador ex-aluno da UEM.
Para saber mais:
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
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