Karla Mariana Fernandes Guimarães *
Sabemos que o uso de substâncias psicoativas em busca do prazer ou do alívio do sofrimento psíquico vem de longa data, já tendo sido mencionado por Freud em “O Mal estar das Civilizações” (1929) e continua sendo assunto de reflexão de diversas áreas de conhecimento.
Para a psicanálise, o uso de drogas consiste na busca da droga como mais um objeto, enquanto que na toxicomania a droga é o único e exclusivo objeto para o usuário. Neste caso, o toxicômano vê na droga a única saída para a dor insuportável, uma a promessa de prazer e de fuga da angústia; contudo, ao fim do efeito anestésico surge a dor que se sobrepõe ao sujeito e ele usa a droga novamente, insistentemente, como meio de se conservar ao abrigo da dor psíquica insuportável.
Esse sofrimento advém da angústia de “nadificação”. O uso do tóxico vem para o indivíduo como uma forma de proteção à fantasia de engolimento do Outro ou ainda contra a falta da garantia do Nome-do-pai. Diante de um Outro que ameaça constantemente a devoração e exige coisas do seu corpo, o indivíduo consome o próprio corpo na tentativa de tornar-se imperfeito aos desejos maternos e impróprio ao consumo. É uma forma de colocar uma barreira ao gozo do Outro, um meio de conservar, mesmo que minimamente, a própria subjetividade.
Nesse sentindo, a droga aparece como um Farmakon – tanto um remédio como um veneno – remédio como escapatória do desejo/comando do Outro, veneno por ser pela via do tóxico. Lembrando que o tóxico não é a droga. A droga torna-se tóxico dependendo do lugar que assume na relação com o indivíduo, na eliminação de um terceiro da relação dual. Porém, nessa dinâmica de defesa à própria subjetividade ocorre o contrário e o indivíduo convoca atenção onisciente dos pais, renovando os apelos destes, e cai no assujeitamento à droga, tornando-se inacessível a si mesmo.
O toxicômano procura análise quando “está no fundo do posso” – verbalização típica de usuários, sinal de que a droga está falhando na função de aliviar o sofrimento psíquico e abrem-se brechas nessa relação para a entrada de um terceiro – a análise – processo que é permeado por insistentes mecanismos de defesa, em especial as atuações.
Diante disso, como curar pela fala indivíduos que colocam a droga no lugar da palavra? O toxicômano tem a droga como seu único e exclusivo objeto relacional, é privado da sua própria história e por isso, a única coisa que tem a falar é a sua experiência com ela. Cabe ao analista escutá-lo. Ao ser escutado e ao escutar-se o indivíduo tem a chance de criar plasticidade subjetiva e condições para sair da extrema alienação da relação estabelecida com a droga.
Mantendo a neutralidade e não impondo a abstinência da droga ao indivíduo, o analista dá a ele a posição de sujeito do próprio discurso, pois é no exílio químico que o toxicômano pôde existir sem morrer, e apenas na escuta disso é que o analista se autoriza supor o sujeito, e dar a ele a possibilidade de resgatar as memórias e mitos que dele foram confiscados.
Quando o indivíduo desloca a droga do lugar erotizado e tem a chance de falar sobre outros objetos e outras questões da sua vida, a droga deixa de ser o tóxico e passa de único e exclusivo objeto para a posição de mais um objeto de desejo ao indivíduo e acontece uma mudança de posição subjetiva na relação do indivíduo com a droga. Com isso o indivíduo passa a ser sujeito de si mesmo e sucede a cura da toxicomania, mesmo sem a abstinência da droga.
*Karla Mariana Fernandes Guimarães (CRP: 08/15469) é psicóloga e ex-aluna do Cesumar.
Para saber mais:
CONTE, Marta. Necessidade – Demanda – Desejo: os tempos lógicos na direção do tratamento nas toxicomanias. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre, [S. V.], n. 24, p. 41 – 59, mai. 2003.
FREUD, Sigmund. O Mal Estar das Civilizações. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, v XII. . Imago, 1996.
TOROSSIAN. Sandra Djambolakdjian. O lugar do outro na subjetividade dos adolescentes usuários de drogas. Correio da APPOA. Toxicomanias. Porto Alegre. v. 8. [S.N]. p.16-19. 1997.
VALORE, Ângela Maria. Direção da cura em toxicomania. Biblioteca Freudiana de Curitiba, Curitiba, [S.V.], [S.N.]. p. 71 – 77. 1998.
Excelente!
ResponderExcluirBelo trabalho pessoal...
ResponderExcluirKarla..
ResponderExcluirAdorei, parabéns!!!