Talita Maria Marcomini*
A nossa sociedade contemporânea vem sendo comparada,
por vários estudiosos, à Era do Vazio. Mas, o quê seria esse vazio? Ele
remete-nos ao vazio do ser, ao ontológico, ao vazio ocorrido na subjetividade
existencialista do ser que tantas angústias têm gerado em nossas vidas. A
sociedade pós-moderna dominada pelo sentimento de saciedade e consumismo, do
ser-se jovem a todo custo, banaliza os relacionamentos afetivos, no que tange
ao estabelecimento de vínculos e compromisso. Bauman (2004) refere-se ao mundo
moderno como líquido, no qual nada é permanente, tudo que parece sólido se
desfaz de forma contínua. Na era do vazio, o homem busca o prazer fugaz e
instantâneo, onde o indivíduo busca em si próprio sua satisfação, através de um
distanciamento do outro, gerando, assim, um vazio emocional.
Bauman (1998) cita Dostoievski quanto à
responsabilidade do ser humano sobre a humanidade: “Somos todos responsáveis
por todos os homens perante todos, e eu mais que os outros.” Esse conceito de
responsabilidade, aqui, se faz importante, uma vez que, a meu ver, através dele
podemos retomar o sentimento de ser humano, e conseqüentemente, vivermos numa
sociedade que olha para o outro também, e não apenas para si mesmo. Levinas
(apud Bauman, op.cit) coloca que a responsabilidade pelo outro existe “apenas”
por ele ser um ser humano. Assim, amplia-se o conceito de responsabilidade, já
que atualmente observa-se que se ele não é meu pai ou minha mãe, “então, eu não
quero nem saber”. Isso, quando ainda se importa por ser pai e mãe. Um dia, um
adolescente me disse que se alguém perdesse a carteira bem em sua frente, ele
não a devolveria. Por quê? Porque, segundo ele, ninguém faria isso para ele.
O conceito de responsabilidade, descrito acima, não
implica em reciprocidade, ou seja, se é responsável pelo outro sem esperar
reciprocidade. “Se o outro olha pra mim, sou responsável por ele, mesmo não
tendo assumido responsabilidade para com ele. Minha responsabilidade é a única
forma pela qual o outro existe para mim, é o modo da sua presença, da sua
proximidade.” (Levinas apud Bauman, op.cit). Atualmente, não se vê esta
responsabilidade ou então, acha-se que até se tem responsabilidade pelo outro,
enquanto esta implicar em reciprocidade. E hoje em dia, nada mais é feito, sem
esperar algo em troca. “Só amo você, porque você me ama”. Isto fica
subentendido nos relacionamentos atuais, tudo acontece na base de troca,
esperando sempre receber do outro aquilo que lhe foi dado, como se não
tivéssemos dado ao outro, e sim como se algo tivesse sido retirado de nós e
devesse voltar.
Quando você desumaniza, a partir do momento em que não
se considera tal responsabilidade, se perde a ética e isso acarreta
conseqüências muito maiores, como por exemplo, o caso do Holocausto. Mas, não
precisamos ir tão longe para vermos exemplos. Cada vez mais as pessoas traem
seus parceiros afetivos, e a falta de responsabilidade (na concepção utilizada
aqui), de compromisso com o outro, propicia esta atitude, levando cada um a não
sentir com outro, mas sentir apenas sozinho.
Desta maneira, quando negamos essa responsabilidade,
afastamo-nos uns dos outros, e quando me distancio do outro, tudo se torna
vazio. Pois acredito, eu, que o ser humano é um ser de relação, e sendo assim,
necessita do outro, pois, “para termos amor-próprio precisamos ser amados”.
(Bauman, 2004). “Aceitar o preceito de amor ao próximo é o ato de origem da
humanidade. [...] Amar o próximo pode exigir um salto de fé. O resultado,
porém, é o ato fundador da humanidade. Também é a passagem do instinto de
sobrevivência para a moralidade” (Bauman, op.cit, p.99).
*
Talita Maria Marcomini é psicóloga (CRP 08/11501)
Para saber mais:
Bauman, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004.
Bauman, Z. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
Bauman, Z. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
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