Lorena Munhoz da Costa*
Nikita Nomerz |
No dia 07 de abril de 2011, o Brasil acompanhou mais
um trágico acontecimento no país: um rapaz de 23 anos invadiu a escola onde
fizera seus estudos básicos, no Rio de Janeiro, e disparou vários tiros em
direção a alunos e professores. Após ferir e matar alguns deles, o garoto ao se
deparar com a polícia, suicidou-se. A notícia se espalhou rapidamente e como
uma epidemia se alastrou pelo país, mobilizando a população. Os sentimentos e
as reações foram variados: raiva, medo, angústia, entre outros. A mídia
divulgava cada novo detalhe e as imagens do ocorrido repetidamente na
programação. Policiais, políticos e profissionais (como psicólogos e
psiquiatras) eram convocados a dar explicações sobre a tragédia, ou seja, numa
outra linguagem, eram chamados a ajudar a população a dar significados ao
ocorrido e, assim, tranqüilizá-la. Até hoje, as marcas persistem na memória
daqueles que, direta ou indiretamente, vivenciaram a tragédia.
Podemos chamar este fenômeno de “trauma social”, isto
é, um fenômeno que ocorre em meio a um evento social imprevisível, que provoca
no grupo estados de desorganização de maior ou menor intensidade e exige novas
práticas em razão do evento; este recebe, pois, dos membros do grupo um
significado subjetivo compartilhado (Puget, 2000).
O
“trauma social” pode ser compreendido a partir da Teoria da Sedução, proposta
inicialmente por Freud (1894/1996) e desenvolvida, posteriormente, por
Laplanche (1992), no que este último chamou Teoria da Sedução Generalizada.
Para Freud (1894), o trauma se dá em dois tempos. No primeiro tempo, a criança
vivencia uma experiência de sedução por parte de um adulto e isso é excitante
e, ao mesmo tempo, enigmático para a ela. No segundo tempo, a criança (mais
velha), vivencia uma segunda situação que recorda a primeira e a investe de
enorme excitação e, assim, se vê diante de uma forte carga de excitações
sexuais que excede as defesas do eu, o que resulta em forte angústia. Frente a
isso, resta ao eu, como defesa, recalcar a representação (lembrança) excitante.
Protesto |
A idéia
de trauma social é, de algum modo devedora dessa teoria, na medida em que dá um
modelo para pensar eventos sociais de grande intensidade afetiva e os esforços
coletivos de elaborá-los. Desse modo, pode-se pensar que o evento traumático é
socialmente significativo e mobilizador para o grupo, na medida em que
representa uma tentativa de reorganização ou tradução do trauma. Podemos
considerar, então, que as tragédias, como essa da escola do Realengo, são
traumatizantes, porque despertam na comunidade a angústia que já estava
presente na memória proveniente do recalcamento e atuante no psiquismo dos
membros do grupo. O trauma social, assim como o trauma individual, atua por
meio de recordações e repetições, a fim de alcançar a elaboração. Pensando
nisso, Puget (2000) afirma que o trauma social possui um caráter doloroso, mas
também representa uma nova chance para a elaboração de conflitos subjetivos.
Logo, o trauma social então não consiste apenas no evento traumatizante em si,
mas na tentativa de ligá-lo socialmente, através, inclusive, da recordação e
por meios e instrumentos coletivos. A história do morticínio de Realengo,
enfim, pode ser compreendida como uma oportunidade, para o sujeito, de
elaboração do trauma original, isto é, da primeira ferida narcísica, pelas vias
do social, num lugar, Rio de Janeiro, em que os traumas se sucedem com extrema
freqüência e a população tem que criar formas coletivas cada vez mais efetivas
de elaboração (movimentos, protestos, associações de vítimas, etc).
* Lorena Munhoz da Costa é psicóloga (CRP 08/16119).
Para saber mais:
Freud, S. (1996). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: uma conferência. Rio de Janeiro: Imago.
Laplanche, J. (1992). Novos
fundamentos para a psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.
Puget, J. (2000). Traumatismo social: memória
social y sentimiento de pertenencia. In: Psicoanálisis
APdeBA. Vol. XXII, n. 2.
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