"O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam"

Guimarães Rosa

15 de mar. de 2012

O TRAUMA SOCIAL NA ATUALIDADE


Lorena Munhoz da Costa*
Nikita Nomerz
                No dia 07 de abril de 2011, o Brasil acompanhou mais um trágico acontecimento no país: um rapaz de 23 anos invadiu a escola onde fizera seus estudos básicos, no Rio de Janeiro, e disparou vários tiros em direção a alunos e professores. Após ferir e matar alguns deles, o garoto ao se deparar com a polícia, suicidou-se. A notícia se espalhou rapidamente e como uma epidemia se alastrou pelo país, mobilizando a população. Os sentimentos e as reações foram variados: raiva, medo, angústia, entre outros. A mídia divulgava cada novo detalhe e as imagens do ocorrido repetidamente na programação. Policiais, políticos e profissionais (como psicólogos e psiquiatras) eram convocados a dar explicações sobre a tragédia, ou seja, numa outra linguagem, eram chamados a ajudar a população a dar significados ao ocorrido e, assim, tranqüilizá-la. Até hoje, as marcas persistem na memória daqueles que, direta ou indiretamente, vivenciaram a tragédia.
                Podemos chamar este fenômeno de “trauma social”, isto é, um fenômeno que ocorre em meio a um evento social imprevisível, que provoca no grupo estados de desorganização de maior ou menor intensidade e exige novas práticas em razão do evento; este recebe, pois, dos membros do grupo um significado subjetivo compartilhado (Puget, 2000).
O “trauma social” pode ser compreendido a partir da Teoria da Sedução, proposta inicialmente por Freud (1894/1996) e desenvolvida, posteriormente, por Laplanche (1992), no que este último chamou Teoria da Sedução Generalizada. Para Freud (1894), o trauma se dá em dois tempos. No primeiro tempo, a criança vivencia uma experiência de sedução por parte de um adulto e isso é excitante e, ao mesmo tempo, enigmático para a ela. No segundo tempo, a criança (mais velha), vivencia uma segunda situação que recorda a primeira e a investe de enorme excitação e, assim, se vê diante de uma forte carga de excitações sexuais que excede as defesas do eu, o que resulta em forte angústia. Frente a isso, resta ao eu, como defesa, recalcar a representação (lembrança) excitante.
Protesto
A idéia de trauma social é, de algum modo devedora dessa teoria, na medida em que dá um modelo para pensar eventos sociais de grande intensidade afetiva e os esforços coletivos de elaborá-los. Desse modo, pode-se pensar que o evento traumático é socialmente significativo e mobilizador para o grupo, na medida em que representa uma tentativa de reorganização ou tradução do trauma. Podemos considerar, então, que as tragédias, como essa da escola do Realengo, são traumatizantes, porque despertam na comunidade a angústia que já estava presente na memória proveniente do recalcamento e atuante no psiquismo dos membros do grupo. O trauma social, assim como o trauma individual, atua por meio de recordações e repetições, a fim de alcançar a elaboração. Pensando nisso, Puget (2000) afirma que o trauma social possui um caráter doloroso, mas também representa uma nova chance para a elaboração de conflitos subjetivos. Logo, o trauma social então não consiste apenas no evento traumatizante em si, mas na tentativa de ligá-lo socialmente, através, inclusive, da recordação e por meios e instrumentos coletivos. A história do morticínio de Realengo, enfim, pode ser compreendida como uma oportunidade, para o sujeito, de elaboração do trauma original, isto é, da primeira ferida narcísica, pelas vias do social, num lugar, Rio de Janeiro, em que os traumas se sucedem com extrema freqüência e a população tem que criar formas coletivas cada vez mais efetivas de elaboração (movimentos, protestos, associações de vítimas, etc).


* Lorena Munhoz da Costa é psicóloga (CRP 08/16119).


Para saber mais:
Freud, S. (1996). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: uma conferência.  Rio de Janeiro: Imago.
Laplanche, J. (1992).  Novos fundamentos para a psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.
Puget, J. (2000). Traumatismo social: memória social y sentimiento de pertenencia. In: Psicoanálisis APdeBA. Vol. XXII, n. 2.

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