Lorena
Munhoz da Costa*
A delinquência faz parte de nossas vidas.
Desperta sentimentos como raiva, medo, curiosidade e ansiedade. Nos
noticiários, ela é a protagonista e está em grande parte das notícias.
Discussões como a redução da maioridade penal causam polêmica e dividem a
sociedade. Em nossas casas, priorizamos pela segurança, construímos muros altos
e adotamos medidas que muitas vezes nos isolam e detém como prisioneiros. O
psicólogo, diante dessa realidade, deve ter um olhar crítico e entender esse
fenômeno em sua origem e complexidade, contribuindo com uma compreensão além do
senso comum que condena o delinquente sem conhecer os reais motivos dos seus
atos, logo, propõe medidas insuficientes para a sua “recuperação”.
Melman (1992), um importante
psicanalista lacaniano, defende que a delinqüência é um sintoma social e pode,
ou melhor, deve ser percebida a partir da análise das relações sociais e, não
no âmbito concreto (real), como se o furto, por exemplo, tivesse como motivação
essencial a riqueza ou o ganho financeiro. Na verdade, os atos cometidos pelos
delinqüentes são quase sempre cobertos por significados, o objeto furtado não é
o objeto real, mas o objeto simbólico cuja origem está nas relações do sujeito
com o outro.
Na história de vida dos infratores
é comum percebermos conflitos relacionados à família, principalmente ao pai,
principalmente, a existência de pais reais faltantes quanto à função simbólica
de referência fálica para seu filho. A relação do delinqüente com seu objeto se
funda na anulação do terceiro paterno, do pai real. Ao cometer o ato
infracional, o delinqüente busca inconscientemente (e às vezes conscientemente)
comprovar que o pai real é impotente e que nada pode fazer. Para ele, o pai foi
faltante nos seus deveres para com ele. Alguma coisa no dever com relação a ele
não foi cumprida e sua ação não faz senão responder a esta falta, esta omissão
do Outro. A delinqüência se estabelece então, nesse caso, como uma competição
(muitas vezes recíproca) para provar quem é o mais culpado, buscando atribuir a
responsabilidade da falta (MELMAN, 1992).
O delinqüente não se percebe como
um sujeito responsável por si e por seus atos, pelo contrário, atribui com
freqüência a responsabilidade de seus atos a terceiros. Nesse sentido, é
importante refletir e rever sobre o papel da sociedade nesses casos.
Atualmente, utiliza-se um sistema de penalidades e detenções que muitas vezes
pode colaborar com a manutenção e validação do processo da delinqüência.
Quando
o poder é representado pela polícia dentro das estruturas reais da sociedade, o
objeto que conta deixa de ser simbólico para tornar-se nada mais que um objeto
real. O pai estará assim privado de todas as suas incidências simbólicas para
valer somente em sua realidade e se encontrará desfigurado por representações
que serão asseguradas pelas instâncias educativas, policiais ou judiciárias.
Poderíamos fazer ainda a observação que certos delinqüentes, não todos, têm o
sentimento de se realizarem como sujeitos somente na medida em que estão na
prisão, na posição em que são agarrados pelo Outro, nesta apreensão deles
mesmos, não mais simbólicos, mas real.
Diante
da verificação de que a causa da delinqüência é falta de reconhecimento
simbólico do pai (lei), é necessário percebermos “o declínio do Nome-do-Pai” em
nossas estruturas sociais que se tornam cada vez mais reais em lugar de
simbólicas. A delinquência, hoje, faz parte de nossos costumes e parece ter se
tornado o modo mais banal da relação social, logo, configura-se em um sintoma
social, do qual a psicologia e as demais ciências sociais devem se preocupar a
fim colaborar para uma sociedade mais saudável.
* Lorena
Munhoz da Costa é psicóloga (CESUMAR) e pós-graduanda em Psicanálise
(NECPAR).
Para
saber mais:
MELMAN, Charles. Alcoolismo, delinqüência, toxicomania: uma outra forma de gozar.
São Paulo: Escuta, 1992. (O sexto lobo)