Rosane Uchikawa
Desde a fase mais tenra de nossa constituição como seres humanos, nossa subjetividade é construída através da relação com o outro. A mãe que alimenta é o objeto do desejo, sendo ela que traz o gozo através da satisfação de suas necessidades primárias. Afeto e alimento se unem e a subjetividade passa a ser instaurada, dando forma ao modelo de relação objetal que o bebê levará para sua vida adiante.
"Mãe e Filho" Picasso (1938) |
As falhas de continência que ocorrem no processo primário de subjetivação são causadoras de lacunas, que são preenchidas por fantasias infantis, de um ego muito incipiente, e que eclodirão em sofrimentos psíquicos e influenciarão diretamente em nossa maneira de nos relacionar, principalmente no que diz respeito as nossas relações afetivas.
Se por um lado, a construção de nossa subjetividade inicia-se na relação mãe-bebê, por outro, ela também vai recebendo contribuições determinantes do meio ambiente em que estamos inseridos. Como “colcha de retalhos”, vamos recebendo informações e estímulos, sendo influenciados e diretamente afetados através desta dinâmica de vinculações.
Mudam-se as épocas e, por conseqüência, nossa modalidade de relação também não é a mesma. A mídia e a sociedade em geral, se encarregam de ditar “regras”, influenciando nossa forma de pensar (ou de não pensar!), montando um “palco perfeito” para nossas atuações. O mundo nos oferece um leque imenso de objetos apresentados como ideais, com a promessa de tamponar qualquer vazio existencial com toda eficácia. O que impera é o mandamento do gozar, a gratificação está no consumo imediato e descartável.
Grazi Ruas |
A “falta” que buscamos preencher tem origem em processos psíquicos ligados a lembranças e frustrações primitivas. Se pensarmos nas relações afetivas, buscamos no outro, a solução para esse vazio, muitas vezes, contaminados pelos ditos populares de que existe “uma tampa para cada panela” ou “a outra metade da laranja”, o que é campo fértil para projeções e idealizações, pois na realidade, o que esperamos encontrar no outro, é um espelho de nós mesmos.
Ao mesmo tempo em que somos contaminados com a cultura do descartável, cada vez com mais rapidez, também vamos, num processo inconsciente, atuando na busca de um “outro eu” alguém que seja tão “perfeito quanto”, que supra todas “minhas necessidades”, enfim, o “meu reflexo no lago!”.
É nessa ciranda, que as relações vão ficando cada vez mais voláteis, pois, o diferente é refugado, quase que automaticamente trocado por outro. E, se pensarmos que, é justamente o diferente que nos faz pensar sobre nossa condição e nosso modo de existir no mundo, fica a questão: Será que estaríamos vivenciando, na atualidade, uma dinâmica perversa de empobrecimento das relações não só afetivas, mas humanas num todo?
Todas essas influências em nosso processo de subjetivação nos fazem supor, a necessidade de um maior entendimento desses novos arranjos relacionais que se apresentam. Precisamos então, enquanto profissionais psi, refletir sobre as contribuições que a psicanálise pode trazer para essas novas formas de organização, emolduradas pelo mundo pós-moderno.
*Rosane Uchikawa é psicóloga (CRP: 08/15427)
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