Natasha C. Southier*
Carolina Laurenti**
O mundo
contemporâneo é marcado por várias transformações, sendo sua principal
característica a de questionamento e oposição à lógica da modernidade. Bauman
(1997) afirma que esses questionamentos são resultado da busca por estabilidade
e as leis imutáveis, priorizando a busca por certezas. Dessa forma, essa busca
se tornou inalcançável, e seu alvo considerado alto demais. Assim, a
contemporaneidade apresenta o mundo em oposição à modernidade, vendo-o como
diverso e mutável, organizando o tempo, o espaço e as relações de uma nova
maneira.
Quanto a
nova organização de tempo, este passou a ser organizado no “espaço rápido”,
onde as mudanças ocorrem em um ritmo acelerado. Essa aceleração provocou a
ênfase em valores instantâneos e descartáveis (HARVEY, 1993), e, devido a essa
característica de mudanças rápidas, e de certa forma fluida, a contemporaneidade
é também denominada por Bauman de modernidade líquida (BAUMAN, 2007).
Essa
caracterização, modernidade líquida, deve-se principalmente ao caráter volátil
da contemporaneidade, que possui por conta disso, valores transitórios. Todas
essas mudanças produzem na vida dos indivíduos perda da autoconfiança, dos
objetivos, do rumo. A única certeza que se pode ter é que haverá mudanças e
mais mudanças, sendo que a flexibilidade é atributo essencial ao indivíduo
nessa época.
Bauman (2007) aponta que essa sociedade vive uma síndrome
consumista, promovendo a satisfação imediata e a novidade acima da permanência.
Entretanto, o consumo na modernidade líquida não é realizado no sentido de
acúmulo, mas sim no descarte, sendo o prazer pelo descarte caracterizado como a
paixão líquido-moderna. Nessa sociedade, a estabilidade, compromissos
irrevogáveis e situações a longo prazo são considerados pesadelo (BAUMAN, 2007).
O mundo líquido-moderno caminha então em busca de mudanças e
descarte, busca-se criar o novo e destruir o que é velho, movendo-se em uma
destruição criativa. Bauman (1997), no entanto, aponta que a criação aliada à
destruição encerra não somente com produtos, mas com modos de vida e com homens
que viviam daquela maneira (BAUMAN, 2007).
Assim, diante dessas mudanças na sociedade, busca-se do homem
também esse caráter mutável. Exige-se que o homem seja flexível, que se adapte
às mudanças e que tragam novas soluções aos problemas que surgem todo momento,
ou seja, exige-se indivíduos criativos (ZANELLA, 2002).
Na sociedade
contemporânea, ações criativas podem tão somente ter a função de inserir novas
estratégias que ajudem o indivíduo a se adaptar às mudanças desenfreadas do
mundo, mantendo no limite o status quo,
como também as próprias mudanças que jogam ao “lixo” o que é velho. Parece,
então, que a criatividade nessa sociedade toma dois significados:
criatividade-adaptação ou criatividade-destruição.
Mas o que é
criatividade? A despeito da importância
do tema da criatividade na sociedade contemporânea esse conceito não é bem
esclarecido. De acordo com Sakamoto (2000), há uma imensa quantidade de
trabalhos a respeito da criatividade, no entanto, muitas lacunas sobre o tema.
A criatividade, como um fenômeno mental, é assunto próprio da Psicologia. Sendo
assim, diversas abordagens psicológicas se pronunciam sobre o tema, dentre
elas, a Análise do Comportamento.
O
Behaviorismo Radical, a filosofia Análise do Comportamento, defende o
tratamento do comportamento como objeto de estudo em si mesmo. Isso significa
que os fenômenos psicológicos, em toda sua complexidade, devem ser analisados a
partir do comportamento, isto é, em termos das relações inextrincáveis entre
homem e mundo. Seguindo esse raciocínio, a criatividade, enquanto um fenômeno
psicológico, também deve ser entendida em termos comportamentais. Nessa ótica,
a criatividade é discutida em termos de comportamento criativo (CUPERTINO;
SAMPAIO, s/d).
Como um comportamento, a criatividade é explicada pelo modelo de
explicação do comportamento, a saber, o modelo de Seleção por Consequências.
Esse modelo é uma analogia com a teoria da seleção natural de Darwin, e assim
como as espécies surgiram de variações ao acaso que foram selecionadas pelas
consequências de sobrevivência, a origem do comportamento é semelhante. A lógica parece ser a seguinte: variações
que acontecem nas ações, em determinadas circunstâncias, são selecionadas pelas
consequências importantes na história de vida do indivíduo (LEÃO; LAURENTI, 2009; SKINNER,
2007). Desse modo, a criatividade é
entendida como um comportamento resultado da seleção de variações
comportamentais; assim, para que ocorra a criatividade é necessária tanto a
variação quanto a seleção. Nesse sentido, variações que não são selecionadas
não podem ser consideradas comportamentos criativos.
Ainda sobre
a importância da criatividade, Skinner (1972, p. 161) declara que
comportamentos criativos podem contribuir para a sobrevivência das culturas,
isto é, para o desenvolvimento de ações que não coloquem em risco a vida das
culturas. Abib esclarece (2001): promover ações que favoreçam a sobrevivência
da cultura é “protegê-la de práticas para ela letais como superpopulação,
devastação do meio ambiente, poluição e a possibilidade de holocausto nuclear” (ABIB,
2001, p. 108). Ou seja, a práticas que levem às culturas ao pacifismo (ABIB,
2001). Assim, Skinner (1972) parece aliar a criatividade com a ética.
Zanella
(2004) também concorda que a criatividade deve ser encorajada pela ética. Ela
pontua que a busca por sujeitos criativos não deve ser uma busca comprometida
com “a lógica excludente”, mas devemos buscar sujeitos criativos que busquem
ser comprometidos com o outro, “que acolham as diferenças que nos conotam e
possam com elas conviver, que construam relações sociais pautadas em uma ética
da e pela vida” (ZANELLA, 2004, p. 137-138).
Ao voltar à discussão
à contemporaneidade, percebemos que a criatividade no mundo líquido-moderno parece
ter se apartado das consequências éticas envolvidas em suas práticas.
Faz-se
necessário, portanto, uma reflexão acerca das práticas realizadas, pontuando se
nossas práticas psicológicas têm contribuído para a manutenção da lógica
vigente ou se propõe à reflexão crítica da realidade.
* Natasha Chaicovski Southier é acadêmica do 4° ano de Psicologia (UEM)
** Carolina Laurenti é psicóloga e Doutora em Filosofia.
** Carolina Laurenti é psicóloga e Doutora em Filosofia.
Para saber mais:
ABIB, J. A. D. Teoria moral de Skinner e desenvolvimento humano. Psicologia:
Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 14, n. 1, 2001.
BAUMAN, Z. Ética pós-moderna. São Paulo: Paulus,
1997.
HARVEY, D. A
experiência do espaço e do tempo. In: A condição pós–moderna. Uma
pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1993,
p.187-274.
SAKAMOTO,
C.K. Criatividade: uma visão integradora. Psicologia: Teoria e Prática, v.2, n.1, p. 50-58, 2000.
ZANELLA, L. C. H. A criatividade nas organizações do conhecimento. In:
ANGELONI, Maria Terezinha (Org.). Organizações
do conhecimento: infra-estrutura,
pessoas e tecnologias. São Paulo: Saraiva, 2002, p.120-136.