Diogo Assunção Valim*
Neste artigo faço um breve resumo de meu Trabalho de Conclusão de Curso de minha pós-graduação em Psicanálise, nele busco revisitar a construção teórica de Freud sobre a histeria.
O momento atual nunca foi tão propicio para a discussão a cerca da histeria. Os Manuais psiquiátricos amplamente utilizados na atualidade como a Classificação Internacional de Doenças, CID – 10 e a DSM IV, retiraram o termo histeria de circulação, substituindo-o por uma terminologia diversificada que se refere a diversos transtornos independentes. Se isto é uma resposta à pressão de laboratórios farmacêuticos poderosos ou se trata de uma sincera crença de que a histeria já não mais existe, não convém abordar aqui. Mas o fato é que nada disso impede a histeria de continuar existindo, acompanhando as nuances de nossa época, revestindo-se de novas roupagens, mas tendo sua estrutura exatamente a mesma da histeria do século passado.(MAURANO, 2010)
Famosa por ser capaz de manipular o corpo com muita maestria a histeria intrigava a medicina do século XIX, por mais exames que eram feitos em indivíduos histéricos, nada achava-se para explicar seus sintomas físicos que, em sua maioria, consistiam de paralisias em membros específicos ou até mesmo alucinações e amnésias.
Freud e Breuer, partindo de idéias propostas por Charcot, romperam com a forma tradicional de medicina da época ao propor um tratamento psíquico ao em vez de físico à histeria, com base nisso nasceu o método catártico de Breuer, este método consistia em evocar lembranças relacionadas a etiologia dos sintomas físicos através da hipnose, desta forma ele era capaz de combater os sintomas mais aparentes e superficiais da histeria.
Freud prosseguiu estudando a patologia e adaptando seu método de acordo com o que descobria, assim, inclusive, nasce a psicanálise.
Mas afinal de contas o que exatamente é a histeria?
“Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem uma
oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos predominantemente
ou exclusivamente desprazerosos fosse ela ou não capaz de produzir sintomas
somáticos.” (FREUD, 1905, pag. 37)
Por mais que sintomas somáticos sejam uma característica forte na histeria, não são essenciais, portanto enganam-se aqueles que pensam que a histeria não mais vigora na atualidade, sem duvida ela já não tem a mesma aparência que tinha no sec XIX, mas é importante ter em mente que esta é uma patologia que afeta a estrutura da personalidade e, em essência, a vida sexual do individuo, antes de afetar seu corpo.
Dentre os muitos artigos sobre o assunto, teremos aqui, em função do nosso espaço limitado, de resumir a compreensão da histeria em Freud em alguns pontos principais:
“Desde então tenho visto inúmeros casos de histeria, ocupando-me de cada
um por vários dias, semanas ou anos, e em nenhum deles deixei de descobrir
as condições psíquicas postuladas nos Estudos sobre a histeria, ou seja, o
trauma psíquico, o conflito dos afetos e, como acrescentei em publicações
posteriores, a comoção na esfera sexual.” (FREUD, 1905, pag. 34,
grifos meus).
A histeria então tem sua fundação em um trauma, entende-se trauma como situação ou experiência que evoque demasiadas excitações além da capacidade psíquica do individuo de processar (FENICHEL, 2005). Este trauma é causado por situações que despertam desejos, fantasias ou idéias sexuais em idade onde o individuo não esta pronto para lidar com tais excitações.
Como bem sabemos através da psicanálise, existe uma sexualidade na infância que esta diretamente ligada as figuras parentais (complexo de Édipo), sendo assim existe também um desejo em direção a estas figuras. A criança que passa pelo complexo aprende que seus pais estão unidos sexualmente entre si e ela esta de fora desta intima relação, aprende também que seria imoral o inverso dessa situação, o que há força a recalcar seu desejo sensual e a declinar de suas figuras parentais como objetos do desejo erótico. Funda-se o herdeiro do complexo edípico: o superego.
Este desejo em direção as figuras parentais é normal em toda criança, mas quando ela é colocada em situações onde sua sexualidade infantil é excitada excessivamente, seja pelas fantasias da própria criança quanto pelas situações de abuso sexual (comoção na esfera sexual), a mente é inundada por estímulos que não apenas são difíceis de se processar, mas condenáveis pelo próprio superego do individuo.
Convivendo com um desejo e com a proibição do mesmo, a única saída encontrada pelos processos psíquicos é acionar um forte recalcamento para livrar a consciência dos efeitos acusatórios do superego (conflito dos afetos). Desta forma todo o conteúdo das fantasias infantis que uma vez foram utilizadas pela criança para seu prazer, são expulsas da consciência. Cada item que fora ligado a estas fantasias sexuais direcionadas aos pais tem de procurar novos meios de expressão: é o caso do afeto, que procura expressão no corpo e assim causa os sintomas conversivos.
A partir de sua fundação a estrutura da histeria forma-se como uma defesa em torno do desejo sexual e da imensa carga emotiva que isto desperta, principalmente da culpa, impedida de seguir seu curso normal a pulsão sexual do histérico acaba sendo expressa por outras vias além da do sintoma.
Com este estudo aprendemos que não se deve apoiar em sintomas superficiais para diagnosticar e tratar transtornos neuróticos, como o próprio Freud coloca em “A psicoterapia da histeria” de 1893, o sintoma histérico puro é complicado de se extrair e pode-se confundir com uma serie de outras patologias, ou até aparecer de forma discreta e passar despercebido. O critério de análise do psicólogo deve sempre ser baseado na estrutura da personalidade, proveniente da resolução edípica.
*Diogo Assunção Valim é psicólogo.
PARA SABER MAIS:
MAURANO, Denise. A histeria: ontem, hoje e sempre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
FREUD, Sigmund. Um caso de Histeria, Tres ensaios sobre a sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.