"O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam"

Guimarães Rosa

18 de mai. de 2012

CRIATIVIDADE NO MUNDO LÍQUIDO-MODERNO


Natasha C. Southier*
Carolina Laurenti**

       O mundo contemporâneo é marcado por várias transformações, sendo sua principal característica a de questionamento e oposição à lógica da modernidade. Bauman (1997) afirma que esses questionamentos são resultado da busca por estabilidade e as leis imutáveis, priorizando a busca por certezas. Dessa forma, essa busca se tornou inalcançável, e seu alvo considerado alto demais. Assim, a contemporaneidade apresenta o mundo em oposição à modernidade, vendo-o como diverso e mutável, organizando o tempo, o espaço e as relações de uma nova maneira.
         Quanto a nova organização de tempo, este passou a ser organizado no “espaço rápido”, onde as mudanças ocorrem em um ritmo acelerado. Essa aceleração provocou a ênfase em valores instantâneos e descartáveis (HARVEY, 1993), e, devido a essa característica de mudanças rápidas, e de certa forma fluida, a contemporaneidade é também denominada por Bauman de modernidade líquida (BAUMAN, 2007).
         Essa caracterização, modernidade líquida, deve-se principalmente ao caráter volátil da contemporaneidade, que possui por conta disso, valores transitórios. Todas essas mudanças produzem na vida dos indivíduos perda da autoconfiança, dos objetivos, do rumo. A única certeza que se pode ter é que haverá mudanças e mais mudanças, sendo que a flexibilidade é atributo essencial ao indivíduo nessa época.
Bauman (2007) aponta que essa sociedade vive uma síndrome consumista, promovendo a satisfação imediata e a novidade acima da permanência. Entretanto, o consumo na modernidade líquida não é realizado no sentido de acúmulo, mas sim no descarte, sendo o prazer pelo descarte caracterizado como a paixão líquido-moderna. Nessa sociedade, a estabilidade, compromissos irrevogáveis e situações a longo prazo são considerados pesadelo (BAUMAN, 2007).
O mundo líquido-moderno caminha então em busca de mudanças e descarte, busca-se criar o novo e destruir o que é velho, movendo-se em uma destruição criativa. Bauman (1997), no entanto, aponta que a criação aliada à destruição encerra não somente com produtos, mas com modos de vida e com homens que viviam daquela maneira (BAUMAN, 2007).
Assim, diante dessas mudanças na sociedade, busca-se do homem também esse caráter mutável. Exige-se que o homem seja flexível, que se adapte às mudanças e que tragam novas soluções aos problemas que surgem todo momento, ou seja, exige-se indivíduos criativos (ZANELLA, 2002).
            Na sociedade contemporânea, ações criativas podem tão somente ter a função de inserir novas estratégias que ajudem o indivíduo a se adaptar às mudanças desenfreadas do mundo, mantendo no limite o status quo, como também as próprias mudanças que jogam ao “lixo” o que é velho. Parece, então, que a criatividade nessa sociedade toma dois significados: criatividade-adaptação ou criatividade-destruição.
       Mas o que é criatividade? A despeito da importância do tema da criatividade na sociedade contemporânea esse conceito não é bem esclarecido. De acordo com Sakamoto (2000), há uma imensa quantidade de trabalhos a respeito da criatividade, no entanto, muitas lacunas sobre o tema. A criatividade, como um fenômeno mental, é assunto próprio da Psicologia. Sendo assim, diversas abordagens psicológicas se pronunciam sobre o tema, dentre elas, a Análise do Comportamento.
           O Behaviorismo Radical, a filosofia Análise do Comportamento, defende o tratamento do comportamento como objeto de estudo em si mesmo. Isso significa que os fenômenos psicológicos, em toda sua complexidade, devem ser analisados a partir do comportamento, isto é, em termos das relações inextrincáveis entre homem e mundo. Seguindo esse raciocínio, a criatividade, enquanto um fenômeno psicológico, também deve ser entendida em termos comportamentais. Nessa ótica, a criatividade é discutida em termos de comportamento criativo (CUPERTINO; SAMPAIO, s/d).
       Como um comportamento, a criatividade é explicada pelo modelo de explicação do comportamento, a saber, o modelo de Seleção por Consequências. Esse modelo é uma analogia com a teoria da seleção natural de Darwin, e assim como as espécies surgiram de variações ao acaso que foram selecionadas pelas consequências de sobrevivência, a origem do comportamento é semelhante. A lógica parece ser a seguinte: variações que acontecem nas ações, em determinadas circunstâncias, são selecionadas pelas consequências importantes na história de vida do indivíduo (LEÃO; LAURENTI, 2009; SKINNER, 2007).                 Desse modo, a criatividade é entendida como um comportamento resultado da seleção de variações comportamentais; assim, para que ocorra a criatividade é necessária tanto a variação quanto a seleção. Nesse sentido, variações que não são selecionadas não podem ser consideradas comportamentos criativos.
     Ainda sobre a importância da criatividade, Skinner (1972, p. 161) declara que comportamentos criativos podem contribuir para a sobrevivência das culturas, isto é, para o desenvolvimento de ações que não coloquem em risco a vida das culturas. Abib esclarece (2001): promover ações que favoreçam a sobrevivência da cultura é “protegê-la de práticas para ela letais como superpopulação, devastação do meio ambiente, poluição e a possibilidade de holocausto nuclear” (ABIB, 2001, p. 108). Ou seja, a práticas que levem às culturas ao pacifismo (ABIB, 2001). Assim, Skinner (1972) parece aliar a criatividade com a ética.
           Zanella (2004) também concorda que a criatividade deve ser encorajada pela ética. Ela pontua que a busca por sujeitos criativos não deve ser uma busca comprometida com “a lógica excludente”, mas devemos buscar sujeitos criativos que busquem ser comprometidos com o outro, “que acolham as diferenças que nos conotam e possam com elas conviver, que construam relações sociais pautadas em uma ética da e pela vida” (ZANELLA, 2004, p. 137-138).
          Ao voltar à discussão à contemporaneidade, percebemos que a criatividade no mundo líquido-moderno parece ter se apartado das consequências éticas envolvidas em suas práticas.
          Faz-se necessário, portanto, uma reflexão acerca das práticas realizadas, pontuando se nossas práticas psicológicas têm contribuído para a manutenção da lógica vigente ou se propõe à reflexão crítica da realidade.

* Natasha Chaicovski Southier é acadêmica do 4° ano de Psicologia (UEM)
** Carolina Laurenti é psicóloga e Doutora em Filosofia. 

Para saber mais:
ABIB, J. A. D. Teoria moral de Skinner e desenvolvimento humano. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 14,  n. 1, 2001.
BAUMAN, Z. Ética pós-moderna. São Paulo: Paulus, 1997.
HARVEY, D. A experiência do espaço e do tempo. In: A condição pós–modernaUma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1993, p.187-274.
SAKAMOTO, C.K. Criatividade: uma visão integradora. Psicologia: Teoria e Prática, v.2, n.1, p. 50-58, 2000.
ZANELLA, L. C. H. A criatividade nas organizações do conhecimento. In: ANGELONI, Maria Terezinha (Org.). Organizações do conhecimento: infra-estrutura, pessoas e tecnologias. São Paulo: Saraiva, 2002, p.120-136.

4 de mai. de 2012

PENSO ASSIM... "EU... EU MESMA"


Irene Romano Zafalon*

Constantemente somos bombardeados por impressões ilegítimas do mundo, e que vão embaçando, confundindo nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. Tem sido difícil sermos autênticos neste mundo alucinado, encontrarmos harmonia, vivermos com "qualidade de vida".
Mas, enfim, o que é ter qualidade de vida? Nunca se falou tanto em qualidade de vida...
Sem apologias, ter qualidade de vida não é apenas praticar atividades físicas todos os dias, comer cereais integrais, tomar dois litros de água, dormir oito horas... ou ainda, ter o carro do ano, casa na praia, o trabalho dos sonhos, “ser magro”, etc. Sem querer questionar, tudo isso pode ser importante (também!), mas é imprescindível buscar, sobretudo, um tempo para a nossa subjetividade, buscar o autoconhecimento, ou seja, encontrar um equilíbrio biopsicossocial.
A nossa qualidade de vida deve ser desenvolvida por nós mesmos, do modo como estamos neste momento e de acordo com nosso nível de necessidades; o que se tem, pregado, basicamente, são modelos estereotipados.             
Cuidar bem de nós mesmos não só implica seguir o manual de bons cuidados com a "máquina", mas compreender como funciona todo o circuito humano, já que não somos meros robôs que podem ser programados. Sofremos emoções a todo o momento que alteram nossos programas e nos causam curtos, surtos.             
Chegamos ao ponto chave! Buscar qualidade de vida é, também, ter acesso às nossas legítimas emoções, para assim, entendermos a carga de afeto que colocamos sobre nossas escolhas e por que muitas de  nossas escolhas nos afligem, são tão difíceis e inatingíveis.
Ter consciência da maneira como atuamos sobre o mundo, nos proporciona sermos nós mesmos, capacitarmos para levar adiante nossos projetos e metas.
 A ciência tem comprovado o quanto somos seres complexos. Não há como encontrar equilíbrio agindo mecanicistamente; somos seres dinâmicos e, assim, na medida em que desenvolvemos nossa capacidade de perceber e compreender nós mesmos e o mundo estaremos promovendo a transformação deste, e, por conseguinte, também sendo transformados por ele.
Quando aprendemos  decidir  integralmente, ou ter autoridade sobre nossas  emoções e reações, o que implica em “autoconhecimento”, este orbe desvairado deixa de ser tão incompreensível e passa  ter contornos  reais e com isso as vivências podem ficar mais leves e saudáveis, pois depositamos nestas mais energia boa que está disponível .
Mas, será mesmo possível ter autoridade sobre nossas emoções, para liberar mais energia boa, promover melhores escolhas e por conseguinte obter uma melhor qualidade de vida?  Cientificamente, a Psicologia tem demonstrado que sim, que, embora o contexto social mude, nossos sentimentos continuam sempre os mesmos, amamos, odiamos, enfim; o mundo evolui e nós podemos e devemos ter a compreensão de nossa  maneira de ser, saber de onde vêm nossos sentimentos e reações, para, assim, podermos atuar efetivamente, de forma integrada à realidade, obtendo escolhas mais assertivas, e, dessa forma , criando um campo mais favorável para transitarmos e sermos felizes com novas  significações, representações e  identificações.

* Irene Romano Zafalon é aluna do 5°ano de Psicologia (CESUMAR).