"O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam"

Guimarães Rosa

26 de abr. de 2011

EXISTE CURA DE TOXICOMANIA NA CONCEPÇÃO PSICANALÍTICA?


Karla Mariana Fernandes Guimarães *
Sabemos que o uso de substâncias psicoativas em busca do prazer ou do alívio do sofrimento psíquico vem de longa data, já tendo sido mencionado por Freud em “O Mal estar das Civilizações” (1929) e continua sendo assunto de reflexão de diversas áreas de conhecimento.
Para a psicanálise, o uso de drogas consiste na busca da droga como mais um objeto, enquanto que na toxicomania a droga é o único e exclusivo objeto para o usuário. Neste caso, o toxicômano vê na droga a única saída para a dor insuportável, uma a promessa de prazer e de fuga da angústia; contudo, ao fim do efeito anestésico surge a dor que se sobrepõe ao sujeito e ele usa a droga novamente, insistentemente, como meio de se conservar ao abrigo da dor psíquica insuportável.
Esse sofrimento advém da angústia de “nadificação”. O uso do tóxico vem para o indivíduo como uma forma de proteção à fantasia de engolimento do Outro ou ainda contra a falta da garantia do Nome-do-pai. Diante de um Outro que ameaça constantemente a devoração e exige coisas do seu corpo, o indivíduo consome o próprio corpo na tentativa de tornar-se imperfeito aos desejos maternos e impróprio ao consumo. É uma forma de colocar uma barreira ao gozo do Outro, um meio de conservar, mesmo que minimamente, a própria subjetividade.
Nesse sentindo, a droga aparece como um Farmakon – tanto um remédio como um veneno – remédio como escapatória do desejo/comando do Outro, veneno por ser pela via do tóxico. Lembrando que o tóxico não é a droga. A droga torna-se tóxico dependendo do lugar que assume na relação com o indivíduo, na eliminação de um terceiro da relação dual. Porém, nessa dinâmica de defesa à própria subjetividade ocorre o contrário e o indivíduo convoca atenção onisciente dos pais, renovando os apelos destes, e cai no assujeitamento à droga, tornando-se inacessível a si mesmo.
O toxicômano procura análise quando “está no fundo do posso” – verbalização típica de usuários, sinal de que a droga está falhando na função de aliviar o sofrimento psíquico e abrem-se brechas nessa relação para a entrada de um terceiro – a análise – processo que é permeado por insistentes mecanismos de defesa, em especial as atuações.
Diante disso, como curar pela fala indivíduos que colocam a droga no lugar da palavra? O toxicômano tem a droga como seu único e exclusivo objeto relacional, é privado da sua própria história e por isso, a única coisa que tem a falar é a sua experiência com ela. Cabe ao analista escutá-lo. Ao ser escutado e ao escutar-se o indivíduo tem a chance de criar plasticidade subjetiva e condições para sair da extrema alienação da relação estabelecida com a droga.
Mantendo a neutralidade e não impondo a abstinência da droga ao indivíduo, o analista dá a ele a posição de sujeito do próprio discurso, pois é no exílio químico que o toxicômano pôde existir sem morrer, e apenas na escuta disso é que o analista se autoriza supor o sujeito, e dar a ele a possibilidade de resgatar as memórias e mitos que dele foram confiscados.
Quando o indivíduo desloca a droga do lugar erotizado e tem a chance de falar sobre outros objetos e outras questões da sua vida, a droga deixa de ser o tóxico e passa de único e exclusivo objeto para a posição de mais um objeto de desejo ao indivíduo e acontece uma mudança de posição subjetiva na relação do indivíduo com a droga. Com isso o indivíduo passa a ser sujeito de si mesmo e sucede a cura da toxicomania, mesmo sem a abstinência da droga.

*Karla Mariana Fernandes Guimarães (CRP: 08/15469) é psicóloga e ex-aluna do Cesumar.


Para saber mais:
CONTE, Marta. Necessidade – Demanda – Desejo: os tempos lógicos na direção do tratamento nas toxicomanias.  Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre, [S. V.], n. 24, p. 41 – 59, mai. 2003.
FREUD, Sigmund. O Mal Estar das Civilizações. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, v XII. . Imago, 1996.
TOROSSIAN. Sandra Djambolakdjian. O lugar do outro na subjetividade dos adolescentes usuários de drogas. Correio da APPOA. Toxicomanias. Porto Alegre. v. 8. [S.N]. p.16-19. 1997.
VALORE, Ângela Maria. Direção da cura em toxicomania. Biblioteca Freudiana de Curitiba, Curitiba, [S.V.], [S.N.]. p. 71 – 77. 1998.

13 de abr. de 2011

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O NARCISISMO

Fúlvio César Casemiro*
Geisi Mara Rodrigues**
Não é fácil escrever sobre o narcisismo, em tão poucas linhas, diante da complexidade e importância deste conceito na Psicanálise. No entanto, arriscamo-nos a fazê-lo devido ao fato de que muito se tem falado em narcisismo na sociedade atual. O que se diz, de modo geral, é que temos nos tornado muito mais individualistas, competitivos, consumistas, vaidosos, vazios, etc. Não dá para negar as mudanças na subjetividade humana na contemporaneidade, mas é necessário buscar as raízes do conceito, e, para tanto, é claro que recorremos a Freud.
Em Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914) – considerado o principal trabalho onde o tema é tratado Freud utiliza, como fontes de observação do narcisismo, as parafrenias (esquizofrenia e paranóia), as neuroses de transferência e a vida amorosa dos humanos – sendo esse o aspecto que daremos maior ênfase neste momento.
Ao se pensar na vida amorosa, algumas perguntas vêm à mente: como desenvolvemos nossa capacidade de amar? Como reconhecemos que aquele que amamos é de nós diferente? Como toleramos a dependência e a iminência da possibilidade de perder? De qualquer modo, é importante pensar que essas são características necessárias para o vínculo de amor, e que faltam nos transtornos narcisistas.
A escolha amorosa feita na vida adulta depende das primeiras relações que temos ainda enquanto bebês. O que primeiro se consegue observar na criança é que ela escolhe seus objetos sexuais a partir de suas experiências de satisfação.
Para Freud, isso se evidencia na escolha dos primeiros objetos sexuais da criança, quais sejam aqueles que estão diretamente envolvidos com sua alimentação, isto é, sua mãe ou substituto. Essa forma de escolha de objeto é chamada de veiculação sustentada (anteriormente traduzida como anaclítica). Quando o desenvolvimento libidinal sofre perturbações, a escolha de seu futuro objeto de amor não se pautará na imagem da mãe, mas na sua própria pessoa, e isso ocorreria, por exemplo, nas perversões e no homossexualismo. E essa observação foi para Freud o que forneceu motivo mais forte para a hipótese do narcisismo.
Nesse mesmo artigo, Freud ressalta que, com tais idéias, não quer separar os seres humanos em duas categorias de acordo com sua forma de escolha de objeto. Para ele, esses dois caminhos estão abertos a todo ser humano e um ou outro caminho será privilegiado. O que ele quer realmente afirmar é que todo ser humano possui dois objetos primordiais, quais sejam, ele mesmo e quem dele primeiro cuida. Assim, em todos há um narcisismo primário, que casualmente pode manifestar-se de maneira predominante na escolha de objeto.
Em Totem e tabu (1912-1913), Freud descreve o narcisismo como uma fase do desenvolvimento libidinal intermediária entre o auto-erotismo e a escolha de objeto, na qual as pulsões sexuais que estavam isoladas no auto-erotismo são reunidas em um todo e encontram um objeto. Esse, por sua vez, não é externo ou estranho ao bebê, pois se trata de seu próprio eu, que Freud acredita ter se constituído nessa época.
Se o indivíduo fica fixado nesta fase, seu comportamento será de amor a si mesmo. Apesar de Freud dizer não saber com se dão os arranjos pulsionais acima citados, diz que a organização narcisista nunca é por nós totalmente abandonada, o “ser humano permanece narcisista, mesmo depois de ter encontrado objetos externos para sua libido” (p.99).
Em termos de psicopatologia, podemos falar em “transtornos narcisistas”, resultado de perturbações na passagem pela fase de desenvolvimento narcisista, na direção do estabelecimento de uma relação a três - Complexo de Édipo.
Zimermam (2004) nos lembra que características narcísicas estão presentes em todos os seres humanos de alguma forma e em algum momento, embora nos transtornos narcisistas exista o predomínio e intensidade de alguns fatores importantes: um estado de indiferenciação entre o eu e o não-eu o que contribui para a ilusão onipotente de que não depende de ninguém; um estado de ilusão em busca de uma completude; uma negação das diferenças; a presença da parte psicótica da personalidade; presença de núcleos de simbiose e ambiguidade; uma lógica do tipo binário (tudo ou nada); uma escala de valores centrada no ego ideal e no ideal de ego, entre outras.
Outro aspecto importante a se considerar neste tema em discussão é a vulgarização do conceito de narcisismo, o que fez com que se passasse a enxergar as pessoas com um transtorno narcisista ou com fortes características desse, apenas como egoístas, vaidosos, “exibicionistas”. Como psicólogos que desejamos trabalhar com a clínica de orientação analítica, necessitamos, porém, entender que esta é uma pessoa que sofre.
Os versos de Vinícius de Morais, na obra “A Solidão” nos auxiliam a compreender essa dimensão de sofrimento.

“A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre".

Ao não amar, não perde, mas também não ganha ou experimenta a verdadeira experiência de amar e ser amado. O narcisismo original da criança, segundo Freud (1914), está exposto a perturbações e a reações de defesa a tais perturbações, mas para Freud, o trecho mais importante de todo esse processo é o complexo de castração. É por meio da castração que a criança pode melhor vivenciar a situação edípica, ter um funcionamento mais autônomo e vivenciar o desejo sexual genital. Ao não ter tudo, a criança pode vivenciar o amor e a felicidade. Se isso não ocorre, o sujeito poderá vivenciar a tristeza do narcisismo que, mesmo aparentemente tendo tudo, se sente infeliz.

*Fúlvio César Casemiro (CRP 08/15146) é psicólogo e ex-aluno do Cesumar.
**Geisi Mara Rodrigues (CRP 08/15152) é psicóloga e ex-aluna do Cesumar.


Para saber mais:
BENHAÏN, M. Amor e ódio: a ambivalência da mãe. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2007.
FREUD, S. (1914). Sobre o Narcisismo: uma introdução. In: Freud, S. (1914). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v.XIV. Edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

12 de abr. de 2011

O JORNAL PSICOLOGIA EM FOCO

Foi idealizado e criado pelos então alunos do 5°ano de Psicologia do Cesumar; Vinícius Romagnolli Rodrigues Gomes, Roberto Martins Prado, Helom da Silva Miranda, Diogo Assunção Valim, César Augusto Aidar Cadamuro, Marcelo Moreira Khoury em junho de 2010.

Tendo inicialmente como público excluisivamente os acadêmicos do Cesumar, o projeto tem atualmente o triplo do número de exemplares, sendo distribuido em outras instituições, tais como: UEM, Uningá e Unifamma, bem como profissionais da área psi e alunos de pós graduação do NECPAR.

O JORNAL PSICOLOGIA EM FOCO  busca cumprir seu papel social de tornar acessível todo conhecimento relevante produzido no meio psi, através de artigos, noticias, dicas de leitura e de filmes, bem como de eventos relacionados à área da Psicologia, além de buscar uma interdisciplinariedade com outras áreas do conhecimento.

Atualmente compõem o quadro de colaboradores do jornal os seguintes alunos:

01. Cintia Ciceri;
02. Emily Góes;
03. Germano Dias Brites;
04. Larissa Damian;
05. Livia Ruiz;
06. Mayara Coutinho;
07. Rafaella Bertipalha;  
08. Raquel Abeche;
09. Renata Boff;   
10. Roseane Pracz;
11. Thaila Esquiante;
12. Thais Rocco.

                                                                             Vinícius Romagnolli Rodrigues Gomes